HA-LAPID 5
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E um fogo sagrado inflama o gato.
E1e saltou sôbre a mesa onde estava a
gaiola com o pássaro, e
Penas voaram pela sala.
*
Encheram-no de pancadas. Mas o gato
aceitou-as com humildade. E depois de
ter gemido piedosamente, ele se pôs a
miar uma lamentosa mea culpa
O gato não cometera mais esta falta..
O gato razoável compreendeu porque
foi batido. Doravante ele não merecera
mais pancadas.
-Bateram-me, raciocinou ele, porque
espalhei penas pela sala, porque ficaram
nódoas de sangue na toalha branca e fina-
mente bordada... Quando se executa uma
semelhante sentença, é preciso faze-lo com
bondade, com duçura e piedade; e preciso
nao deixar voar penas, não deixar cair
gotas de sangue...
Tambem quando trouxeram um segundo
pássaro cantor para çasa, ele matou-o desta
vez docemente, delicadamente e engoliu
corpo e penas.
*
Chicotearam o gato.
Esta vez ele compreendeu finalmente
que se não tratava de penas, nem de
nódoas de sangue deixadas sôbre a
toalha.
O segredo procurado era: não era per-
mitido matar! E preciso pelo contrár1o
amar, perdoar. Não e o castigo pelos
suplícios que se tornará melhor o mundo
corrompido pelo pecado!
E preciso reconduzir ao bem, pregar a
moral, falar ao coração!
Um canário penitente pode alcançar um
tão alto lugar no céu que o gato piedoso
ficará muito abaixo dele!
E o gato sentiu o seu coração encher-se
de alegria. Findo o velho tempo duro e
mau. Terminadas as efusões de sangue!
Piedade, piedade e sempre piedade!
*
E foi cheio de piedade que ele se apro-
ximou do terceiro canário.
-Não te assustes, disse com a mais doce
Voz que jamais saiu de garganta de gato.
Tu estás carregado de pecados mas eu não
te farei mal, porque tenho piedade de ti!
Eu não abrirei a gaiola, nem sequer te
tocarei!
Tu calas-te? Muito bem! Antes que
cantar atrevidamente, vale mais calar-se.
Tu tremes? Tanto melhor! Treme, meu
filho, mas não por minha causa.
Queira Deus que tu fiques assim, sem-
pre meigo, puro e timido!...
Eu te ajudarei a tremer. Da minha
alma piedosa eu soprarei sôbre ti calma,
meiguice e piedade... Que com o meu
halito penetre no teu corpo a fé, o temor
divino nos teus ossinhos, o remorso e o
arre endimento no teu coraçãozinho!
Não foi senão agora que o gato vê
como é doce perdoar, que alegria é fazer
penetrar em outrem o sôpro de piedade e
virtude...
E o coração piedoso do mais piedoso
dos gatos brancos incha de contentamento.
Mas o canário não pode respirar nesta
atmosfera do gato.
. . . . . . . . . . . . . , . . . . . . . ..
Isto o abafou!
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Os vícios e o castigo
(FÁBULA)
Os vicios resolveram um dia percorrer
a terra.
A ruina e a desolação caminhavam
sôbre as suas pegadas.
Por todos os lugares por onde eles
atravessavam, a erva secava; as árvores
das florestas despojavam-se da sua verde
folhagem; os campos tornavam-se incultos;
as estradas enchiam-se de serpentes e nós
ares volitavam os sombrios morcegos.
Éles correram muito tempo sem olha-
rem para trás. Contudo, um dia eles vol-
taram-se e viram que alguém os seguia a
passo lento e tranquilo.
Quem es tu?-lhe preguntaram eles.
-Eu sou o Castigo-lhes respondeu
aquele que caminhava atrás deles.
-Deixa de vir atrás de nós.
nos poderás alcançar.
Mas o Castigo respondeu-lhes:
-Eu chegarei talvez um pouco tarde,
mas sempre chegarei.
ISAAC LEVI, Grand Rabbin.
N.º 119, Tishri-Heshvan 5704 (Set-Out 1943)
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