2 HA-LAPÍD ======================================= Em Bragança e em varias terras da Beira é frequente ouvir-se dizer aos catolicos que entre os judeus daquelas terras ha alguns que são abafadôres. Sendo perguntados sobre a significação dessa palavra, eles explicam que entre os judeus é costume, que quando al- gum deles está moribundo os outros matam-no por asfixia (abafam-no) e os que se encarregam desse serviço são designados pelo nome de abafadôres. lsto é pura lenda catolica sobre judeus. Pela nossa santa religião é absolu- tamente proibido' abreviar a vida de quem quer que seja, nem que esta pes- soa esteja no meio de grande sofri- mento. Da vida humana apenas pode dispor o Supremo juís da Verdade (Dayan Emeth) e não podemos nós seus humildes servos alterar a sentença divina. A dôr é por vezes um meio de que usa o Supremo Juiz para purificar a alma do pecador. Se alguem para evitar um sofri- mento abreviasse a vida dum mori- bundo, pelas nossas leis, esse seria um assassino. Sabido pois que nas Leis de Israel nada ha que pudesse permitir tal pra- tica, vamos explicar a origem dessa lenda. Desde que D. Manuel I, rei de Por- tugal, no fim do seculo XV, usando das maiores violencias forçou os israelitas portugueses a converterem-se ao cato- licismo, começou para esses infelizes a pratica duma dualidade religiosa. Usa- vam as praticas catolicas na vida exte- rior mas no seu lar, ocultos a olhares profanos, continuavam com as praticas judaicas. Em todas as Comunidades israelitas existe um nucleo de individuos encar- regados da Hebrah Kadishah (Serviço Santo) que tem por fim velar os mortos, purifica-los, amortalha-los, organísar os enterramentos, velar pela conservação das sepulturas e fazer as orações rituaes funebres. Durante as perseguições inquisito- riais os cripto-judeus continuaram a manter os usos judaicos tanto quanto possivel. Quando algum cripto-judeu caía gravemente doente, chamava para junto de si alguns correlegionarios sabedores do oficio funebre e no meio das orações dos seus entregava a alma ao Creador. Devido á dualidade de religião que professavam, depois de se haverem certificado que o seu ente querido dei- xara de existir, os parentes iam chamar o padre catolico dizendo-lhe que o seu parente estava a morrer. Quando o sa- cerdote cristão chegava para lhe admi- nistrar os ultimos sacramentos, não o podia fazer por ter chegado tarde. E como este facto era muito frequente e tambem eram notados pelos catolicos a existencia, junto do moribundo, de cer- tos individuos de raça hebrêa, dai o convencimento do padre e dos seus ajudantes de que eles haviam chegado tarde porque os tais judeus haviam abafado o moribundo. E desta forma, para os espiritos catolicos dessas regiões aqueles pie- dosos israelitas do Serviço Santo, que levavam boas palavras de fé e espe- rança aos moribundos, transformaram- se nos sinistros abafadores. BEN›ROSH
N.º 013, Elul 5688 (Ago 1928)
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