2 HA-LAPID ========================================= "... quando esta terra, onde me ela aconteceu, me aprouve mais que outra ne- nhuma,..." fala com saudade de Portugal, terra que lhe aprouve mais que outra nenhuma. "Agora há lá dois anos que estou aqui." Tendo saido de Portugal em 1521 é em 1523 que começa a escrever a novela. "pois não havia de escrever para nin- guém, senão para mim só. Para uma só pessoa podia ele ser; mas desta não soube eu mais parte, depois que as suas desditas e as minhas, o levaram para longes terras estranhas;..." Meu amigo verdadeiro, quem me vos levou tão longe? Vós comigo, e eu con- vosco, sós, sabíamos suportar nossos gran- des desgostos, e tão pequenos para os de depois. A vós, contava eu tudo. Como vós vos fostes, tudo se tornou tristeza; ..." É com saudade que Bernardim se refere ao seu grande amigo e confidente Sá de Miranda, o qual não tem probabilidades lá de tornar a ver. "O livro há-de ser do que vai escrito nele... Também, por outra parte, não se me dá nada que o não leia ninguém; que eu não no faço senão para um só, ou para ne- nhum; pois dele, como disse, não sei novas, tanto há." Continua referindo-se a Sá de Miranda do qual não tem noticias. Diz no capítulo 2.°: "Neste monte, mais alto de todos (que eu vim buscar pela soledade, diferente dos outros, que nele achei)... Julgo que Bernardim se refere ao monte Capodimonte, em Nápoles, donde se dis- fruta um magnifico panorama. "E como os meus cuidados... me co- meçassem de entrar pela lembrança de algum tempo, que foi, e que nunca fora, assenhorearam-se assim de mim que não me podia já sofrer a par de minha casa e desejava ir-me para lugares sós, onde desa- bafasse em suspirar." Bernardim encontra-se ali em Compa- nhia da sua verdadeira familia, mas a qual só conhece aos 30 anos de idade, embora bem acolhido ele recorda-se de Portugal onde passou a sua meninice, a sua adoles- cência e parte da sua juventude. Épocas da nossa vida que nos deixam indeléveis recordações quer dos momentos alegres como dos que a tristeza por vezes nos invade. Ali a vida é inteiramente diferente da que tivera em Portugal, nem sequer um único amigo da sua mocidade para com ele recordar tempos idos, tudo ali é dife- rente, nada lhe recorda o seu passado. Dado o seu temperamento sentimental é na soledade do campo que ele encontra conforto falando espiritualmente consigo mesmo. "... determinei ir-me para o pé deste monte, que de arvoredos grandes, e verdes ervas, e deleitosas sombras, é cheio; por onde corre um pequeno ribeiro de água de todo o ano, que, nas noites caladas, o rugido dele faz no mais alto deste monte um saudoso tom, que muitas vezes me tolhe o sono." Refere-se Bernardim ao ribeiro Chiaia (hoje em parte canalisado) que passava junto à cidade, é natural que de sua casa ouvisse o ruído das suas águas. Bernardim descreve duma maneira co- movente a morte, ali, dum rouxinol, que lhe havia cantado docemente. É uma ale- goria em que o nosso poeta se quer referir a outro poeta, que ali viveu e ali existe o seu túmulo. É Virgilio, autor de eglogas na sua obra Bucólicas. Virgílio nasceu perto de Mantua, na aldeia dos Andes, no dia 15 de Outubro do ano 70 antes da era actual. Passou primitivamente alguns anos nas escolas de Cremona. Aos 17 anos di- rigiu-se a Milão, onde tomou a toga viril Foi em Nápoles onde se aperfeiçoou nas letras gregas e na filosofia. Passou a sua vida umas vezes nos Andes, outras em Roma e outras em Nápoles, quase única- mente aplicado às coisas do espírito, não
N.º 140, Tevet-Adar 5708 (Dez-Fev 1947)
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