6 HA-LAPID ========================================= nesta terra há muito) e o muito que tam- bém há que eu não via nela coisa com que falasse, e me moveu à alteração, e não pus em vós os olhos, tanto, como depois que vos falei; e, quanto mais vos olho, mais acho que vos olhar. As passadas palavras vossas me dizem que deveís ter o coração altamente agravado. "Vejo-vos moça: ainda ireis para viver no mundo. Mal haja a desventura que tão cedo começou em vós, e tão tarde acaba em mim. "Muito folgaria de me contardes vossas tristezas, uma a uma... "... Tenho aprendido que não há tris- teza nos homens. Só as mulheres são tristes; ... "Mas se elas, por isso. têm razão de serem mais tristes, sabê-lo-á quem souber que mágoa é manter verdade desconhe- cida!" Pelo motivo apresentado neste livro de Saudades Bernardim se apresenta como uma jovem e Leon Hebreu como uma dona de tempos idos ao trocarem palavras de tristeza. Continua Leon Hebreu: -"Quando eu era da vossa idade e estava em casa de meu pai, nos longos se- rões das espaçosas noites do inverno, entre as outras mulheres de casa, umas fiando, e outras dobando, muitas vezes, para enga- narmos o trabalho, ordenávamos que al- guma de nós contasse histórias, que não deixassem parecer o serão longo; e uma mulher de casa, já velha, que vira muito e ouvira muitas coisas, por mais anciã, dizia sempre que a ela pertencia aquele oficio, e, então, contava histórias de cavaleiros an- dantes." Refere-se a seu pai Don Isac Abrabanel, Rabbi, Economista e Comentador blblico, que muito privou com a melhor nobreza de Portugal. Continua Leon Hebreu: "Neste conto não entram só os dois amigos de que é a história que há pouco vos prometi. Neles, sós, cuido se encerrou a fé que em todos os outros se perdeu; e creio que por isso ordenaram outros homens de os matarem à traição, maldosa- mente, porque se não pareciam com eles. "Lembra-me que, quando meu pai con- tava a vileza da maneira que tiveram os falsos cavaleiros, para matarem os dois amigos, dizia que muito folgara de a não ouvir para a não saber, pois não viera em tempo para deixar de ir à terra magoado porque já a geração deles não trazia ai. "Os dois amigos, no que fizeram, cum- priram para com elas, e para consigo mes- mos, aquilo a que eram obrigados pelas leis da cavalaria que mantinham; ... "Isto digo eu, para vós, e para mim, porque meu filho também era homem como eles." Refere-se à morte dos duques de Bra- gança e de Viseu. Diz ainda Leon Hebreu, transportan- do-se em pensamento à Peninsula Ibérica: -"Em tempo, foram estes vales muito povoados, e agora muito desertos, costu- mavam gentes andar neles, agora andam animais ferozes. Uns deixam o que outros tomam! Para que eram tantas mudanças em uma só terra? "Ainda em alguns sitios deste vale estão algumas antigas árvores, que, pelo muito decurso de tempo, e descostume de como foram criadas, parecem já doutra plumagem diferente daquela de que de- viam ser quando, ajudádas de pomareiras mãos, elas produziam seu perfeito fruto." Referência ao periodo brilhante do ju- daismo hispânico, às perseguições da época, e à existência de cristãos-novos, mas na verdade cripto-judeus. Comovedor devia ter sido este encontro em que pela primeira vez falava Bernardim com seu pai, tendo um 31 anos de idadee outro 57: pois Bernardim nasceu em To- ledo em 1491 e seu pai em Lisboa em 1465. Lamentor e o cavaleiro da ponte Garcia de Rezende, na sua Crónica d'El-Rei D. João II, informa-nos que o príncipe D. Afonso filho deste rei casou com a princesa Isabel, filha dos reis cató- licos Fernando e Isabel, em Sevilha: "...e logo o dito Fernão da Silveira que para isso levava suficiente e bastante procuração, em nome do principe por pala- vras de presente como manda a Santa Ma- dre Igreia de Roma; recebeu a dita prin- cesa D. Isabel por sua mulher, por mão do Cardial D. Pero Gonçalves de Mendonça. perante El-Rei e a Rainha e Infantas e suas irmãs; e muitos grandes senhores com muito grande solenidade..."
N.º 141, Nissan-Sivan 5708 (Mar-Mai 1948)
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