2 HA-LAPID ========================================= A MISTERIOSA PERSONALIDADE DE BERNARDIM RIBEIRO (O Trovador do Amor e da Saudade) POR A. C. DE BARROS BASTO (CONTINUAÇÃO DO N.° 141 - cap. II) Aquelísia, a namorada alentejana Na 1.a edição da Menina e Moça, im- pressa em casa dos judeus Usques de Fer- rara a namorada alentejana de Bernardim é designada pelo nome Aquelísia. Na edição de Colónia e nas seguintes foi substituido este nome pelo de Cruélcia (anagrama de Lucrécia) porque julgavam que Aquelisia seria um erro tipográfico pois tal nome nada lhes dizia; a própria D. Carolina de Michaelis também não compreende a razão de tal nome. Para mim o nome Lucrécia é que nada me diz e o de Aquelísia me diz tudo. Bernardim designa a sua namorada alentejana pelo nome de Aquelisía, que é o anagrama de Selúquia, a gentil mourinha bem conhecida na tradição alentejana. Nós hoje pronunciamos Salúquia, dando-se o mesmo caso com Catarina que no tempo de Bernardim se lia Caterina e cujo ana- grama era Natércia. Dado o caso de algum dos meus leito- res não conhecer a tragédia amorosa da bela Selúquia ou Salúquia, que ainda vive hoje na tradição folclórica do Alentejo, transcrevo de pessoa competente o neces- sário para o elucidar. Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno falando na vila de Moura (Alen- tejo), diz:-Em 1166 era esta vila uma forte praça de guerra, com um robusto cas- telo, bem guarnecido de tropas, e senhor dele, um mouro nobre e riquíssimo, senhor de muitas terras do Alentejo, chamado Abu-Assan, pai da formosa Salúquia, a quem ternamente amava, e lhe deu em dote o castelo de Aruci, que ele havia ree- dificado, guarnecendo-o de tropas e muni- ções de guerra, e de todas as mais vitualhas, e em condições de resistir a um longo assé- dio; nomeando-lhe para alcaide um jovem mouro, chamado Brafma (segundo a Évora Gloriosa, Frabone) futuro noivo de Salú- quia, e senhor do castelo de Arronches. Quando Brafma vinha em marcha para a povoação, seguido duma numerosa e bri- lhante cavalgada, para tomar posse do cas- telo e da noiva, chegando a um profundo e sombrio vale a 5 quilómetros da vila, foi inopinadamente acometido por um troço de cavaleiros cristãos, não escapando um só dos mouros. Os chefes e planeadores desta surpresa foram dois cavaleiros portugueses, irmãos, chamados Pedro Rodrigues e Álvaro Ro- drigues. Mortos todos os mouros, trataram os portugueses de os despir, vestindo-se com os seus vestidos e armando-se com as suas armas; e assim disfarçados, se dirigi- ram ao castelo de Moura, entoando cânti- cos e dando gritos, ao uso mourisco. Vendo Salúquia aproximar-se a caval- gata, que entendeu ser a tão ardentemente desejada, com o riso nos lábios e a alegria no coração, mandou levantar a ponte leva- diça, e abrir de par em par as portas do castelo, para receber o jovem alcaide. Poucos momentos lhe durou a ilusão e o prazer, pois em breve os brados de ale- gria se converteram em gritos de carnagem, e logo em aclamações de vitória, obtida pelos portugueses, ao arriarem da cidadela o pavilhão do crescente, e içarem o das quinas. Salúquia, preferindo a morte a ser escrava de cristãos se precipitou do alto da torre, morrendo despedaçada. Em memória deste sucesso se deu à povoação o nome de Vila da Moura, e por armas uma torre, e à entrada dela uma mulher morta." No capitulo XII Bernardim diz que depois de ter saído do Paço da Ribeira, impressionado pela figura de Aonia... "Para pensar mais à vontade, mandou o seu es- cudeiro, arredado dali, que desse de comer ao seu cavalo na ribeira daquele rio, por- que logo se temeu de ele o ver assim, e cair em alguma suspeita que fosse contar a Aquelísia, porque todos os seus lhe eram
N.º 143, Tevet-Adar 5709 (Dez-Fev 1948)
> P02