4 HA-LAPID ======================================== Esta rua Nova dos Mercadores era pró- xima dos Paços da Ribeira, onde em 1504, gente do povo e rapazio apupam e apedre- jam alguns judeus conversos. Os arrua- ceiros foram condenados a açoites e degredo para S. Tomé. Diogo de Paiva de Andrade viveu nos fins do século XVI e principios do sé- culo XVII, e quis ser cronista oficial, o que não conseguiu, Imprimiu o 1.° volume da sua obra Exame de Antiguidades em Lisboa no ano de 1616. Talvez a noticia da morte do escudeiro de Bernardim che- gasse até ele deturpada pela tradição. Continuamos a ler o que diz Bernardim: "Foram assim ao fato de uma grande manada de vacas (que todas estavam ale- vantadas, com o alvoroço dos cães e medo dos lobos) metendo-se os pastores e Bim- narder por entre elas, que lhe iam fazendo lugar,... "E, assim, saindo dentre elas estava uma fogueira grande... "E junto desta, ao fogo jazia deitado,... um pastor já de todo branco, que maioral era do fato;... - E, em pastores chegando, ergueu ele a cabeça um pouco, e, como homem que era avisado em semelhantes casos, descan- sadamente começou a perguntar pelo que se passava. Contando-lhe eles que não era nenhuma rês morta, também lhe con- taram do cavaleiro que traziam. "Ergueu-se ele então assentado, e fa- zendo-lhe lugar na rama da sua cama, lhe rogou que se fosse assentar. E assentado Bimnarder, e assentados todos derredor daquela fogueira, pediu o velho maioral a Bimnarder que lhe contasse como aquele desastre acontecera. "Contou-lho ele, brevemente, por lhe satisfazer: como andando o seu cavalo pastando vieram aqueles lobos, e mata- ram-lho, primeiro que lhe pudesse valer. "Ao que, começou com uma fala re- tumbada a falar o pastor... dizendo: "Os desastres que acontecem com os animais ferozes neste vale, é coisa espan- tosa... "Numa noite de inverno escura, sendo eu mais novo que agora, diante dos meus olhos me tomaram a minha vaca bragada (mãe destoutras bragadas, que tenho inda agora) e mataram-na. "E já aqui, onde agora estou, me vie- ram no claro dia matar quantos bezerri- nhos tinha, que inda não eram para anda- rem com as mães." Aqui o maioral do gado, isto é, o maioral dos cristãos-novos, o fisico Mestre Fer- nando, refere-se à matança dos cristãos- -novos em Lisboa em 19 de Abril de 1506 e dias seguintes. onde perdeu alguns mem. bros da familia. -"E porque estás então aqui, pastor honrado? - lhe disse Bimnarder. "...A terra é abastada de pastos; e, assim como cria o bom, cria o mau. Já ouvi dizer a um grande homem, que era dado às coisas do outro mundo, falando na povoação desta terra (que, ainda que a vedes assim, por partes, metida a mato, e de pastores, em muita maneira, povoada)... (isto é, parece sem judeus, mas é povoada por muitos cripto-judeus). "...podemos melhor sofrer o mal que nos faz outrem que o que nós fazemos a nós outros mesmos. Os danos da terra fraca, porque está em nosso poder sairmos dela, não os podemos sofrer; os da outra, que não está em nós vedarmo-los, sofre- mo-los como podemos." Foi Bernardim deitar-se "mas, depois de um pouco de sono, acordou ele, todo banhado em lágrimas, porque sonhara, cho- rando, que o levava dali, por força; a som- bra que vira dantes". Esta sombra a que se refere é a ima- gem do seu pai que desejava tê-lo na Itália. E dali em diante resolveu Bernardim assentar vivenda com o Maioral do gado. que é o físico Mestre Fernando, de quem o Dr. Maximiano de Lemos, no seu comen- tário médico de o Auto dos Físicos de Gil Vicente (Porto, 1921) diz: Mestre Fernando era cristão-novo e fí- sico do Marquês de Vila Real, primo de D. Manuel e possivelmente filho de Mestre Isaque Romeiro e marido de Ana Dinis. Aprendera muito tempo a fisica e mo- rava em Lisboa. Em 1494 fora examinado pelo Dr. Mestre Rodrigo que lhe passara carta de licença, mas em 20 de Março de 1498 foi-lhe confirmada pelo Dr. Mestre António de Lucena, depois de o ter subme- tido a novo exame em que se mostrou -idóneo e pertencente para a dita ciência e arte de fisica". Poucos dias passados, a 11 de Maio, obteve análoga carta para exer-
N.º 143, Tevet-Adar 5709 (Dez-Fev 1948)
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