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N.º 036, Shebat 5691 (Jan-Fev 1931)







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 2                  HA-LAPID
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Como acabou a Inquisição
em Portugal

A Historia da Revolução de 1820.
pelo Dr. José d'Arriaga diz:

 

Foi na célebre sessão em que Soares Franco
apresentou o seu projecto sobre a lei da liberdade da
imprensa, e que Fernandes Thomaz apresentou o seu
relatorio, que Francisco Simões Margiochi, outro
ilustre professor, propoz a abolição da Inquisição,
dos juizes da inconfidencia, dos tributos vis, e apre-
sentou o seu projecto sobre prisões.

Abriu-se o debate acerca da Inquisição na sessão
de 24 de março, que proferiu um elequentissimo
discurso.

Disse ele: Snr. presidente. - Como fui o autor do
projecto sobre a abolição da Inquisição, sou justo, a
mim proprio me sentenceio, devo ser o primeiro que
arda nas fogueiras d'este tribunal. E' na verdade um
tormento, e gravíssimo, o referir tantos horrores; e
bem que os sabios deputados d'este congresso conhe-
çam quaes sao os motivos porque deve ser abolido
este tribunal, contudo é preciso que a nação veja ho-
je os carceres da Inquisição, que veja os seus proces-
sos, que sinta suas torturas e que ardem deante dela
os seus cadafalsos. Darei pois uma noticia sucinta
d'este terrivel tribunal, extraída das grandes páginas
de sua medonha historia. E' esta relação que nos de-
ve fazer estremecer, e não os preceitos do divino le-
gisladador da religião cristã.

"Horrorisemo-nos, pois; mas seja pela ultima
vez.

"Em tudo o que vou dizer não me referirei ás
nações estrangeiras, referir-me-hei só a historia pa-
tria; e ainda que a verdade n'este caso possa ser exa-
gerada, nenhum escritor, nenhum pensador, póde
imaginar cruezas que os inquisidores não imaginas-
sem e preparassem.

"Antes do meio seculo XVI o papa Paulo III ins-
tituiu n'estes reinos por uma bula o tribunal da Inqui-
sição, e foi este o presente mais funesto que podia
fazer aos portugueses a colera celeste.

"Esta bula foi recebida pelo rei D. João III, sem
saber que recebia com ela a infamia e a desgraça
d'este reino; sem saber que com ela ia destruir a glo-
ria do seu reinado; sem saber que no futuro se diria
que este reino tinha mais piedade nas preocupações
de seu entendimento que no seu coração.

"O primeiro que teve a desgraça de ser inquisi-
dor geral foi um irmão do rei, foi "o cardeal Henri-
que, que tambem foi depois rei".

O orador passa depois a fazer historia das refor-
mas dos estatutos; expõe como se fazem as denuncias,
as prisões, e as torturas porque passam os presos,
como se executam as barbaras sentenças; e descreve
depois o auto de fé, tudo em linguagem nobre e sen-
tida.

E acrescentou em seguida;

"Representemos agora a diferença que havia des-
ses tempos horrorosos do terror que inspirava a vis-
ta, o gesto e a voz, de um inquisidor com as emo-

 

ções sublimes que nos inspira hoje um amigo da pa-
tria.

"Representemos esses dias horrorosos dos autos
de fé e comparemol-os com os dias 15 de setembro e
1 de outubro de 1820. em que os portugueses se cha-
mavam á liberdade e á felicidade.

"A' vista, pois, do que tenho exposto, parece que
o tribunal da Inquisição junta em si todas as feroci-
dades e crueldades dos maiores tiranos. Vê-se a cíni-
ca ferocidade ardente de Calígula nos fogos e nos
ferros em brasa; vê se a ferocidade imbecil de Claudio
no processo da Inquisição; vé-se a ferocidade sem
fim, como sem vergonha de Nero no tormento do po-
tro; vé-se a ferocidade hipócrita de Domiciano na re-
laxação que faziam dos seus criminosos ás justiças
seculares.

"Mil e quatrocentos homens foram queimados;
mais de tres mil pessoas foram exterminadas e des-
graçadas. E se juntarmos a isto as familias que fica-
ram desamparadas, os terrores que deviam nascer
d'este tribunal e as molestias e as muitas consequen-
cias d'ele, não faremos muito em asseverar que a In.
quisição só pode egualar as maiores calamidades que
teem afligido a especie humana, ás maiores calamida-
des, incendios, terramotos, devastações, epidemias,
guerras e fomes.

"Serviu, pois, este tribunal para secar os louros
da nossa gloria; serviu este tribunal para extinguir o
entendimento dos portugueses; e serviu este tribunal
para nos cobrir de vergonha.

"Os navegadores que passavam á vista das costas
de Portugal, olhavam para este paiz como inhospito,
como habitado por selvagens ferozes, como para um
paiz que está fóra da civilisação europeia; olhavam-no
como habitado por homens crueis, como falsamente
são acusados os hotentotes, e como verdadeiramente
o foram os caraibas.

"Parece, pois, que o processo (d'este tribunal fica
já feito; e ainda que parece que este tribunal já não é
senão um vulcão que não lança chamas, comtudo
ainda de tempos em tempos ainda se ouvem trovões
subterraneos; ainda a terra treme. Ainda depois do
reinado de el-reí D. José muitos professores sabios da
Universidade de Coimbra foram victimas d'ele; ainda
depois muitos foram tambem suas victimas; ainda em
nossos tempos vimos sofrer muitos benemeritos d'es-
te paiz antes da celebre setembrisada.

"Por consequencia parece que os portugueses de-
veriam pegar em fachos, e queimar os tribunais da
Inquisição; mas não; é preciso conservar abertos seus
carceres, para se verem os seus fogos e comparai-os
com o nosso estado actual.

"E' prciso ir a esses carceres ouvir os gemidos
dos desgraçados que sofreram tantas angustias, gemi-
dos qne ainda duram e durarão, emquanto a nossa
constituição não fizer mudar todos os nossos costu-
mes, emquanto a mesma constituição não fizer mu-
dar o entendimento e o coração d'aqueles que ainda
o não tenham mudado."

Este notavel discurso define perfeitamente o es-
tado da questão, a importancia e o horror, que as no-
vas gerações já sentiam por esse Portugal dos jesui-
tas e inquisidores.

O deputado Girão pediu em seguida a palavra, e
disse que a Inquisição é um dos estabelecimentos
que indicam maior degradação da especie humana,
reinando com o despotismo, a estupidez e a supersti-
cão.


 
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