4 HA-LAPID ================================================= meiros instantes, ele foi-se aos instrumentos, de tortura e despedaçou-os. No dia 10 de abril, na quinta da Inquisição, o povo de Coimbra fez auto de fé a todos esses instru- mentos, queimando-os no meio de imprecauções e de pragas. Em presença (festa, houve hesitação em se fazer o mesmo nas outras inquisições do reino por cujo motivo o prior da freguezia dos Anjos, José Ferrão de Mendonça e Souza, apresentou. em 13 de Agosto de 1821, a seguinte moção que o honra bastante: "A vista dos horrorosos carceres da Inquisição de Coimbra atraiu sobre o memoria d'aquele extinto tri- bunal a execração do imenso numero de pessoas do todos os estados e idades, que frequentes vezes os vi- sitaram no tempo em que a sua entrada esteve paten- te. Outro tanto aconteceu em Evora, onde existe uma inquisição antiga, e mesmo em Lisboa, (apesar de ser reedificada depois do terramoto) se em Evora e Lis- boa estivessem tambem patentes a quem as quizesse vêr, o que me não consta. Proponho portanto: "Que se diga ao governo que mande abrir as portas da entrada doa carceres das inquisições de Evora e Lisboa pelos respectivos guardas que ainda percebem o mesmo ordenado, e que estes acompa- nhem os visitantes e lhes expliquem, como peritos, os usos que ali se faziam das casas e dos utensilios que existirem. E', em desagrado da santa religião que professamos, tantas vezes ai ofendida, da caridade que ela recomenda tantas vezes ai despresada; em desagravo, finalmente, a humanidade, que por espa- ço de duzentos e oitenta e seis anos foi naquelas medonhas mosmorras oprimida e atormentado, pro- ponho em segundo lugar: "Que nas inquisições de Coimbra e Evora se eri- jam desde já duas casas pias, para serem abrigo da humanidade desgraçado aplicando-se-lhes os rendi- mentos que a cada uma são pertencentes, e que sobe- jam dos ordenados dos antigos empregados, devendo converter-se todos em seu uso, ao passo, que forem vagando; e que a casa pia de Lisboa se apliquem pe- la mesma maneira todos os rendimentos da Inquisi- ção d'esta cidade. "Sejam as tres casas pias herdeiras universaes das tres defunctas casas impias. E espero que o con- gresso assim o decreta". Foi aprovado, menos emquanto á segunda parte. O governo assou logo ordem para que fossem expostos ao publico os carceres da Inquisição de Lis- boa e Evora. No dia designado correu tudo a vér esses antros medonhos, onde por espaço de séculos, se praticarem tantos crimes. O povo de Lisboa invadiu o palácio; e foi tal a sua indignação, ao vêr, não só os aparelhos das tor- turas, mas tambem as muitas ossadas das cabeças, pernas e braços humanos que ahi foram encontrados e que revelam novos crimes do indigno tribunal, foi tal, repetimos, a sua indignação, que enfurecido par- tiu aparelhos, espancou os empregados que ahi en- controu e arrastou para as ruas a estatua da fé que se achava no alto do edificio. Um grupo viu um caixote; arrombou-o e n'ele encontrou o antigo regimento da Inquisição, foi feito em pedaços. Um rapaz mostrava a toda a gente e cheio de in- dignação o titulo denominado: -Execução dos tor- mentos.-Suspendendo-o no ar gritava:-Eis o titulo dos tormentos. Todos se enfureciam ao lê-lo, o não houve injurias e imprecações que não dirigissem a uma instituição que arruinara inteiramente o pais e era a causa das desgraças que então se sentiam dolo- rasamente. A 10 de outubro as cortes, em vista de uma par- ticipação do ministro da justiça, dando conhecimento dos factos sucedidos por ocasião de ser exposto ao pu- blico o palácio da Inquisição, resolveu que tornassem todas as providencias para prevenir tumultos e desor- dens, comtanto que todos os carceres e tudo quanto lhes é relativo fossem fielmente mostrados a quem quer que os quizesse vêr. A 18, Fernandes Thomaz apresentou a seguinte moção: "Os carceres da extinta Inquisição d'esta cidade acham se dentro de um edificio que comunica com o palacio, mas que é independente d'ele. Proponho se diga ao governo que mande examinar se pode aque- le monumento de nossos desvarios e desgraças demo- lir-se e arasar-se (conservando o palácio), para que mais não sirva de instrumento á superstição, ao des- potismo e á ferocidade dos tiranos. Que outro tanto se pratique pelo modo possivel nas outras inquisições, levantando se no mesmo sitio uma lapíde, que decla- re a data do decreto pelo qual foi extinto aquele tri- bunal de sangue, juntando-se legenda: -Maldição eterna a todo o portugués que não tiver para sempre em horror tão infernal invento". Foi aprovada só emquanto ao exame, ordenado ás côrtes, n'esse mesmo dia, que se procedesse a ele, o que se fez por meio de peritos que em breve déram os seus relatórios que foram apresentados ao congres- so e remetidos á comissão das artes. Esta deu o seu parecer em 2 de abril de 1822. Os peritos foram de opinião que podiam ser de- molidos os carceres de Lisboa e de Evora mas não os de Coimbra. Diz a comissão: "A comissão das artes examinou os documentos e desenhos a que se refere; e peneirada de horror e de justa indignação á vista das descripções daqueles carceres e segredos, em que tantas vezes sofreu a inocencia e a humanidade, e convencida além d'isto de que devem desaparecer o solo de um paiz livre e ilustrado até os mais pequenos vestígios daqueles muros, em que outrora resoaram os ais e gemidos das infelizes vitimas da superstição e do erro, é de parecer: 1.° que se ordene ao governo faça expedir as mais positivas ordens para se destruir aquele parte dos carceres que foram da Inquisição de Evora, cuja demolição pode efectuar-se sem detrimento dos edifi- cios a que pertencerem; 2.° que o resto destes carce- res, assim como os na cidade de Coimbra, visto acha- rem-se ligados aos edificios, de maneira de que sem dano d'eles não podem ser demolidos, fiquem a cargo do governo, afim de os mandar arrasar com a brevi- dade e economia que é de esperar do seu zelo; 3.° que logo e sem demora faça demolir os carceres da extinta Inquisição d'esta cidade, ordenando que todos os materiais tirados das ruínas e que podem empre- gar-se nas obras de calçada e assento da gradaria da praça do Rocio sejam n'eles despendidos, afim de que pela sua muda, mas energica linguagem, despertam a atenção dos espectadores naquele sitio concorreram". Foi aprovado. As mesmas côrtes ordenaram que se tirassem plantas dos carceres demolidos, e fossem
N.º 036, Shebat 5691 (Jan-Fev 1931)
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