Ha-Lapid הלפיד

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"Apressamo-nos, diz ele, a extinguir este mons-
¡ro que tem sido o flagelo da humanidade, lembre-
mo-nos do padre de Vila Real queimado por estar
doido, e dizer que era o padre eterno; de Cecilia do
Faragó punida pelo crime de enfeitiçar e matar o co-
e Zeferino só com o volver d'olhos!"

Os oradores, no excesso de sua colera tão justa,
atacaram todos os membros d'esse tribunal que co-
briam de execração.

O ilustre orador Castelo Branco, deputado desse
tribunal feriu-se e julgou que aqueles ataques diziam
tambem respeito a sua pessoa. Ele pediu a palavra e
justificou os excessos da Inquisição pelo desvairamen-
to das paixões humanas, e disse que se devia fazer
justiça aos que serviam a patria com devoção, distin-
guindo-os dos perversos que a maculam. Ele pediu
para se retirar, mas todo o congresso exclamou:
"Não é preciso".

Margiochi disse que as suas palavras se não refe-
riam aos actuaes inquisidores, porque entre eles até
havia quem honrasse a humanidade. O presidente
expoz que assim o entendia tambem toda a assem-
bleia.

O discurso de Castelo Branco em justificação da
Inquisição deu, porem, origem a uma réplica energi-
ca e vehemente de Borges Carneiro.

Este pediu a palavra, e disse que a Inquisição é
filha da perversidade e do calculo, e que até está em
desharmonia com as doutrinas cristãs. Em nome da
religião erigiu-se um tribunal supremo e superior ao
rei e á nação; levantaram-se carceres; criaram-se mi-
nistros, oficiais e algozes: ocuparam-se os melhores
palacios que havia no reino; estabeleceram-se correi-
ções; espalharam-se por toda a parte comissarios e
familiares, para serem outros tantos espias e delato-
res; constrangeram-se por meio da excumunhão e
terríveis penas tamporaes os fieis a denunciarem-se
uns aos outros, os filhos, os pais, as esposas, os espo-
sos; estabeleceram-se processos; formaram-se regi-
mentos derogatorios das leis do reino; a Inquisição
despojou bispos; encarcerou em apertadas enxovias
milhões de cidadãos); sem diferença de sexo e de eda-
de; submeteu-os às horriveis torturas das polés, agu-
lhas, albardeiras, queimaduras de pés, ligadores, po-
tros, cavaletes em que estalam os membros, e por fim
conduziu-os aos autos de fé, horroroso espectaculo
para que eram convidados, mediante esplendido ban-
quete, os ministros das nações estrangeiras, os corte-
zãos o alto clero, e esta muitas vezes por delictos fan-
tasticos e em nome da santa religiao; "tudo isto, digo,
acrescentou o orador, praticado constantemente em
Portugal desde o ano de 1536 até 1774, em que o
ilustre Pombal enfreou um pouco este fogoso bruto
da Inquisição; é até onde pode chegar, de uma par-
te, a demencia e a estulticia dos homens, e da outra,
a impostura, hipocrisia e barbara furor de alguns
eclesiasticos; é que se poderia crêr que tivesse sido
feito, não digo no seio do mais feroz paganismo, ou
no paiz dos druidas, governado por sacerdote de que
nos fala Julio Cesar, mas na casa do fumo, descripta
no Alkorão de Mafona, na cova do salteador Caco,
mencionado por Virgilio no seu horrendo Tartaro,
onde moram os espiritos tenebrosos.

"Apressemo-nos pois, senhores, a lavar de tama-
nho labeu o nosso invicto Portugal. Cumpra-se o que
está escripto, que ha-de ser arrancada a planta que
não foi plantada pelo pae celeste; e seja extermínado
este nefando estabelecimento para o Egipto superior,



logar onde o anjo do moço Tobias foi amarrar o
diabo, que tinha matado os sete esposos da filha de
Rachel. Este é o meu voto".

Foi este um dos discursos mais eloquentes profe-
rido por Borges Carneiro.

E' tão execranda a historia deste tribunal que
por espaço de tantos seculos cavou a nossa ruína,
que ninguem se atreveu a erguer a voz em seu
favor.

O congresso por unanimidade decidiu a sua ime-
dia extincção. E' digno do leitura o famoso decreto
que abolia a Inquisição. Eil-o:

"As côrtes, etc.-Considerando que a existencia
do tribunal da Inquisição é incompatível com os
principios adoptados nas bases da constituição, decre-
tam a seguinte:

1.°-O conselho geral do Santo Oficio, as inquisi-
ções, os juizes do bispo e todas as suas dependen-
cias, ficam abolidas no reino de Portugal.

O conhecimento dos processos pendentes, e que
de futuro se formarem sobre causas espirituaes e me-
ramente eclesiasticas, é restituida á jurisdicçao epis-
copal.
O de outras quaesquer causas de que conheciam
o referido tribunal e Inquisição fica pertencendo aos
ministros seculares, como o de outros crimes ordina-
rios, para serem decididos na conformidade das leis
existentes.

2.°-Todos os regimentos. leis e ordens relativas
á existencia do referido tribunal e inquísições, ficam
revogada e de nenhum efeito.

3.°-Os bens e rendimentos que pertenciam aos
ditos estabelecimentos, de qualquer natureza que se-
jam, e por qualquer titulo que fossem adquiridos, se-
rão provisoriamente administrados pelo tesouro na-
cional, assim como os outros rendimentos publicos.

4.°-Todos os livros, manuscriptos a processos
findos, e tudo mais que existir nos cartorios do men-
cionado tribunal da Inquisição, serão remetidos á Bi-
blioteca Publica, de Lisboa, para serem conservados
com cautela na repartição dos manuscriptos e inven-
tariados.

5.°-Por outro decreto, e depois de tomadas as
necessarias informações, serão designados que ficam
pertencendo aos empregados que serviram no dito
tribunal e Inquisição.

A regencia do reino assim o tenha entendido e
faça executar.

Paço das côrtes, 31 de março de 1821.-Hermano
Jose Braancamp, presidente, Agostinho José Freire,
deputado secretario, João Baptista Felgueiras, depu-
tado secretario."

Assim o Portugal de 1820. impelido pelos senti-
mentos generosas e humanitários, e esclarecido pe-
las luzes do século espalhadas no reino durante a re-
volução intelectual, deu o ultimo golpe n'esse nefan-
do país crendo pelo fanatismo de D. Manuel, de D.
Joao III de D. Sebastião e do cardeal, em cujas veias
girou o venenoso sangue de Fernando e Isabel, os ca-
tolicos, de Hespanha.

O congresso resolveu que se expozesse ao publi-
co os carceres da extinta Inquisição, para á vista dos
instrumentos de tortura se apreciar tão nefando tribu-
nal.

O primeiro que foi patente foi o da Inquisição de
Coimbra.

O povo sentiu-se apoderado de verdadeiro horror
ao entrar nas casas dos tormentos. Passados os pri-