N.º 087, Tishri 5699 (Set 1938) > P06
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página

Ha-Lapid הלפיד


N.º 087, Tishri 5699 (Set 1938)







fechar




 6            HA-LAPID
===========================================

A Inquisição do Pôrto operando

(Da História do Estabelecimento da Inquisição em Portugal,
por Alexandre Herculano).

No Porto a Inquisição tomara uma fisio-
nomia particular. A sua existência tinha-se
ligado com uma questão económica. Era
então bispo da diocese o carmelita D. Fr.
Baltazar Limpo, sujeito que passara por
ilustrado e austero, e que conforme se pode
ajuizar das memórias que dele nos restam e
da sua correspondencia não era de-certo ho-
mem vulgar. Supomo-lo, até, sincero no seu
zelo religioso. A nobre e independente lin-
guagem com que falara ao papa sobre a
reforma da igre1a, e a sua isenção de opi-
niões no Concílio de Trento provam que o
carácter_ do bispo do Porto era bem diverso
do do bispo de S. Tomé.

Mas o desabrimento de D. Fr. Baltazar
claramente indica um carácter impetuoso,
ardente, inflexível e absoluto nas suas opi-
niões. Que a uma índole destas se associem
profundos sentimentos religiosos, e ter-se-á
um fanático. A religiosidade, ou natural ou
adquirida pela educação lançada no molde
de um espirito tenaz mas suave, produz o
mártir; unida a um genro irritável e audaz,
produz o perseguidor.

O fanatismo e a violencia são insepará-
veis onde a violencia é possível. Quando o
fanatico ultrapassa os limites do moral e do
justo e porque pervertida a razão a conscien-
cia que se ofusca lhe diz que a religião o
exige. Transposta a barreira da consciencia
não há abuso ou crime a que ele não possa
atingir sem ser em rigor criminoso. E' nisto
que se distingue do hipócrita, é na diferença
de responsabilidade. Infelizmente, porém,
na historia a distinção é difícil e, às-vezes,
inteiramente impossível. Na presente hipó-
tese, deseiariamos bem achar plena prova da
irresponsabilidade de D. Fr. Baltazar Limpo.

A existencia da Inquisição no Porto, dis-
semos nós, tinha-se ligado com uma questão
economica, ou antes fora precedida por esta.
O bispo concebera o desígnio de construir
uma igreja no sítio onde estivera em outro
tempo a Sinagoga, a qual era contígua ao
bairro onde habitaram os cristãos novos da
cidade ou pelo menos a maioria deles. Os
restos da Sinagoga, que o bispo Carmelita



queria converter em igreja, estavam situados
na Rua de S. Miguel, meia deshabitada, e
cujos edifícios em ruínas pertenciam pela
maior parte a famílias hebreias.

Haviam os proprietários solicitado na-
quela conjuntura que, para se restaurar e
repovoar essa rua, uma das principais da
povoação, fossem armadas ali as lojas de
tecidos de lã. Posto que já resolvida favo-
ravelmente a súplica, tinham-se ainda susci-
tado dificuldades que retardaram a execução
do desígnio. Querendo, nessa conjuntura,
obter recursos para a edificação que tentava,
o bispo convocou os cristãos novos, e pediu-
-lhes que declarassem a sôma com que cada
um se oferecia a contribuir para aquela pie-
dosa empresa. Declararam eles que, no
estado em que as cousas se achavam, daria
cada um tres ou quatro cruzados, mas que,
se a pretensão que tinham chegado à exe-
cução, construiriam eles a igreja, contribuindo
para isso generosamente. Aceitou o bispo a
condição; mas as dificuldades continuaram,
e os cristãos novos, talvez injustamente, co-
meçaram a acusá-lo de deslealdade, e de
que longe de favorecer o negócio do arma-
mento, punha em segredo por obra tudo
quanto era possível para impedi-lo. A des-
confiança mútua trouxe a irritação: a irrita-
ção as pretensões infundadas.

O bispo exigiu os recursos prometidos:
os cristãos novos negaram-se positivamente
a subministrá-los antes de realizar a condi-
ção que limitara a promessa. A cólera do
prelado traduziu-se então em ameaças terri-
veis de vingança, e a vingança não tardou a
realizar-se desproporcíonada à ofensa, se é
que realmente a havia. A gente hebreia
ficou aterrada. O Porto tinha presenciado
mais uma cena violenta, fruto do carácter
irascível de Carmelita.

O procurador dos feitos da coroa fora já
mandado espancar por ele, em conseqüência
de ter ofendido certos direitos episcopais no
exercício do seu cargo, e um sobrinho do
Conde de Feira. que passara pelo prelado
sem se descobrir, fora por ele insultado e
advertido de que a repetição da descortesia


 
Ha-Lapid_ano13-n087_06-Tishri_5699_Set_1938.png [155 KB]
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página