6 HA-LAPID =========================================== A Inquisição do Pôrto operando (Da História do Estabelecimento da Inquisição em Portugal, por Alexandre Herculano). No Porto a Inquisição tomara uma fisio- nomia particular. A sua existência tinha-se ligado com uma questão económica. Era então bispo da diocese o carmelita D. Fr. Baltazar Limpo, sujeito que passara por ilustrado e austero, e que conforme se pode ajuizar das memórias que dele nos restam e da sua correspondencia não era de-certo ho- mem vulgar. Supomo-lo, até, sincero no seu zelo religioso. A nobre e independente lin- guagem com que falara ao papa sobre a reforma da igre1a, e a sua isenção de opi- niões no Concílio de Trento provam que o carácter_ do bispo do Porto era bem diverso do do bispo de S. Tomé. Mas o desabrimento de D. Fr. Baltazar claramente indica um carácter impetuoso, ardente, inflexível e absoluto nas suas opi- niões. Que a uma índole destas se associem profundos sentimentos religiosos, e ter-se-á um fanático. A religiosidade, ou natural ou adquirida pela educação lançada no molde de um espirito tenaz mas suave, produz o mártir; unida a um genro irritável e audaz, produz o perseguidor. O fanatismo e a violencia são insepará- veis onde a violencia é possível. Quando o fanatico ultrapassa os limites do moral e do justo e porque pervertida a razão a conscien- cia que se ofusca lhe diz que a religião o exige. Transposta a barreira da consciencia não há abuso ou crime a que ele não possa atingir sem ser em rigor criminoso. E' nisto que se distingue do hipócrita, é na diferença de responsabilidade. Infelizmente, porém, na historia a distinção é difícil e, às-vezes, inteiramente impossível. Na presente hipó- tese, deseiariamos bem achar plena prova da irresponsabilidade de D. Fr. Baltazar Limpo. A existencia da Inquisição no Porto, dis- semos nós, tinha-se ligado com uma questão economica, ou antes fora precedida por esta. O bispo concebera o desígnio de construir uma igreja no sítio onde estivera em outro tempo a Sinagoga, a qual era contígua ao bairro onde habitaram os cristãos novos da cidade ou pelo menos a maioria deles. Os restos da Sinagoga, que o bispo Carmelita queria converter em igreja, estavam situados na Rua de S. Miguel, meia deshabitada, e cujos edifícios em ruínas pertenciam pela maior parte a famílias hebreias. Haviam os proprietários solicitado na- quela conjuntura que, para se restaurar e repovoar essa rua, uma das principais da povoação, fossem armadas ali as lojas de tecidos de lã. Posto que já resolvida favo- ravelmente a súplica, tinham-se ainda susci- tado dificuldades que retardaram a execução do desígnio. Querendo, nessa conjuntura, obter recursos para a edificação que tentava, o bispo convocou os cristãos novos, e pediu- -lhes que declarassem a sôma com que cada um se oferecia a contribuir para aquela pie- dosa empresa. Declararam eles que, no estado em que as cousas se achavam, daria cada um tres ou quatro cruzados, mas que, se a pretensão que tinham chegado à exe- cução, construiriam eles a igreja, contribuindo para isso generosamente. Aceitou o bispo a condição; mas as dificuldades continuaram, e os cristãos novos, talvez injustamente, co- meçaram a acusá-lo de deslealdade, e de que longe de favorecer o negócio do arma- mento, punha em segredo por obra tudo quanto era possível para impedi-lo. A des- confiança mútua trouxe a irritação: a irrita- ção as pretensões infundadas. O bispo exigiu os recursos prometidos: os cristãos novos negaram-se positivamente a subministrá-los antes de realizar a condi- ção que limitara a promessa. A cólera do prelado traduziu-se então em ameaças terri- veis de vingança, e a vingança não tardou a realizar-se desproporcíonada à ofensa, se é que realmente a havia. A gente hebreia ficou aterrada. O Porto tinha presenciado mais uma cena violenta, fruto do carácter irascível de Carmelita. O procurador dos feitos da coroa fora já mandado espancar por ele, em conseqüência de ter ofendido certos direitos episcopais no exercício do seu cargo, e um sobrinho do Conde de Feira. que passara pelo prelado sem se descobrir, fora por ele insultado e advertido de que a repetição da descortesia
N.º 087, Tishri 5699 (Set 1938)
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