HA-LAPID 3 ======================================= BIBLIOGRAFIA HEBRAICA PORTUGUESA Se Portugal hoje não possui um pre- cioso património de escritos e obras anti- gas do muito que a longa e laboriosa actividade dos nossos pais produziu, a causa disto deve atribuir-se ao fanatismo estúpido e cego da idade média, que dei- tava às chamas tudo o que provinha do pensamento hebraico, ou que tivesse al- guma relação com o hebraismo. Acêrca disto ninguém ignora os éditos de Gregório VIII, de Inocêncio IV, éditos reforçados depois pela Bula Pontifícia de Beneditino XIII, no ano de 1415. De tão grande património que é o que ficou? Nada ou poucas migalhas. Mas vejamos por ordem. Em manuscritos, mencionaremos uma Biblia de valor inestimável do século XIII (ano de 1299) cujo autor parece ser um tal Joseph Assefardy, e que hoje se encon- tra na Biblioteca Nacional de Lisboa. Além dessa, encontram-se ainda na dita Biblio- teca alguns manuscritos de Lamentações do 9 de Ab. No Arquivo da Tórre do Tombo, existe um fragmento de 1313 que contém uma parte do Profeta Isaías. Cap. XL a Cap. XLIV 16, das palavras vequiru eleha às palavras af yehom. Parte na Biblioteca Nacional de Lisboa, parte no Arquivo da Tôrre do Tombo, existem mais de 300 códíces do extinto Convento de Alcobaça, códices que foram transportados para esta cidade em 1836. Estes manuscritos, na sua maioria, são dos séculos XII e XIII, alguns em caracteres góticos e outros em forense, obras daque- les monges, dos quais era esta a principal ocupação. Alguns dêstes códices, quási todos escritos em pergaminho, compreen- dem os vários livros da Biblia traduzidos em latim (Vulgata), comentários aos Pro- fetas, aos livros Apocrifos (Tobias, Maca- beos Judit, etc.) o número CCCXXIII (número 222 da Bibl. Nac.) em papiro de carácter forense, contém em idioma lusi- tano o segundo livro das Ordenações Afon- sinas, o qual, como se sabe, encerra a legislação portuguesa refereste aos Judeus. No Pórto temos um fragmento dum comentário de Ibn Evra, o Zohar do Ge- nesis, e uma gramática de David Kimhi. Em Coimbra, uma bela Bíblia em per- gaminho de 385 folhas, uma verdadeira preciosidade bibliográfica, e tanto mais estimável quanto mais pobre é o nosso País em documentos dêsse género, como diz Mendes dos Remédios na monografia Uma biblia hebraica (Arquivo Bibliográ- fico da Biblioteca da Universidade de Coimbra, 1903, n.° 1). A cidade de Évora possui uma Ketubá (contrato de casamento) de 1483. Conquanto os Judeus Portugueses (1) fôssem valentes e diligentes copistas de (1) "En el Reyno de Portugal eran excelenti- simos escrivanos y asi avia en España muchos libros manuscriptos de rarísíma perfección porque se pa- gava por una Biblia correcta y de buena letra cien escudos de oro, y a vezes mas" (Aboab, Nomologia, Cap. XIX p. 232 (Edição Amsterd. 1727). -------------------------------------------------- obrigados brutalmente a deixar os seus bens, a sua vida normal, pela simples razão de ser judeus! Isto é admirável! Nenhuma crença religiosa se esforçaria desta maneira para que os seus irmãos de idéias pudessem percorrer o mundo (depois dos seus havéres terem sido roubados) sem que nada lhes faltasse, a não ser o martíri- zado, mas dedicado e altruista povo judeu. Por esta lição que Mordokhai deu a Ester e por estas pequenas mas curiosas passagens que acabo de narrar, creio que todos compreenderão que é mesquínho e de nada serve (a não ser para se prejudicar a si próprio) o ser judeu e fingir-se de qualquer outra crença. Isto é mesquinho e revoltante: e vós que para nada servis, lembrai-vos da res- posta de Mordokhai à rainha Ester e que o vosso procedimento seja parecido e então quando não livreis o vosso povo porque não é preciso, livrai-vos ao menos a vós, tornando-vos dignos da estima dos vossos correligionários, que de todo se esforçam para o vosso engrandecimento espiritual. JOSÉ A. PEREIRA GABRIEL.
N.º 109, Shevat-Adar 5702 (Jan-Fev 1942)
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