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N.º 109, Shevat-Adar 5702 (Jan-Fev 1942)







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              HA-LAPID               3
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   BIBLIOGRAFIA HEBRAICA PORTUGUESA

Se Portugal hoje não possui um pre-
cioso património de escritos e obras anti-
gas do muito que a longa e laboriosa
actividade dos nossos pais produziu, a
causa disto deve atribuir-se ao fanatismo
estúpido e cego da idade média, que dei-
tava às chamas tudo o que provinha do
pensamento hebraico, ou que tivesse al-
guma relação com o hebraismo.

Acêrca disto ninguém ignora os éditos
de Gregório VIII, de Inocêncio IV, éditos
reforçados depois pela Bula Pontifícia de
Beneditino XIII, no ano de 1415.

De tão grande património que é o que
ficou? Nada ou poucas migalhas.

Mas vejamos por ordem.

Em manuscritos, mencionaremos uma
Biblia de valor inestimável do século XIII
(ano de 1299) cujo autor parece ser um
tal Joseph Assefardy, e que hoje se encon-
tra na Biblioteca Nacional de Lisboa. Além
dessa, encontram-se ainda na dita Biblio-
teca alguns manuscritos de Lamentações
do 9 de Ab.

No Arquivo da Tórre do Tombo,
existe um fragmento de 1313 que contém
uma parte do Profeta Isaías. Cap. XL a
Cap. XLIV 16, das palavras vequiru eleha
às palavras af yehom.

Parte na Biblioteca Nacional de Lisboa,
parte no Arquivo da Tôrre do Tombo,
existem mais de 300 códíces do extinto
Convento de Alcobaça, códices que foram
transportados para esta cidade em 1836.
Estes manuscritos, na sua maioria, são dos
séculos XII e XIII, alguns em caracteres



góticos e outros em forense, obras daque-
les monges, dos quais era esta a principal
ocupação. Alguns dêstes códices, quási
todos escritos em pergaminho, compreen-
dem os vários livros da Biblia traduzidos
em latim (Vulgata), comentários aos Pro-
fetas, aos livros Apocrifos (Tobias, Maca-
beos Judit, etc.) o número CCCXXIII
(número 222 da Bibl. Nac.) em papiro de
carácter forense, contém em idioma lusi-
tano o segundo livro das Ordenações Afon-
sinas, o qual, como se sabe, encerra a
legislação portuguesa refereste aos Judeus.
No Pórto temos um fragmento dum
comentário de Ibn Evra, o Zohar do Ge-
nesis, e uma gramática de David Kimhi.
Em Coimbra, uma bela Bíblia em per-
gaminho de 385 folhas, uma verdadeira
preciosidade bibliográfica, e tanto mais
estimável quanto mais pobre é o nosso
País em documentos dêsse género, como
diz Mendes dos Remédios na monografia
Uma biblia hebraica (Arquivo Bibliográ-
fico da Biblioteca da Universidade de
Coimbra, 1903, n.° 1).
A cidade de Évora possui uma Ketubá
(contrato de casamento) de 1483.
Conquanto os Judeus Portugueses (1)
fôssem valentes e diligentes copistas de

(1) "En el Reyno de Portugal eran excelenti-
simos escrivanos y asi avia en España muchos libros
manuscriptos de rarísíma perfección porque se pa-
gava por una Biblia correcta y de buena letra cien 
escudos de oro, y a vezes mas" (Aboab, Nomologia,
Cap. XIX p. 232 (Edição Amsterd. 1727).

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obrigados brutalmente a deixar os seus
bens, a sua vida normal, pela simples razão
de ser judeus!

Isto é admirável!

Nenhuma crença religiosa se esforçaria
desta maneira para que os seus irmãos de
idéias pudessem percorrer o mundo (depois
dos seus havéres terem sido roubados) sem
que nada lhes faltasse, a não ser o martíri-
zado, mas dedicado e altruista povo judeu.

Por esta lição que Mordokhai deu a
Ester e por estas pequenas mas curiosas
passagens que acabo de narrar, creio que
todos compreenderão que é mesquínho e



de nada serve (a não ser para se prejudicar
a si próprio) o ser judeu e fingir-se de
qualquer outra crença.

Isto é mesquinho e revoltante: e vós
que para nada servis, lembrai-vos da res-
posta de Mordokhai à rainha Ester e que o
vosso procedimento seja parecido e então
quando não livreis o vosso povo porque
não é preciso, livrai-vos ao menos a vós,
tornando-vos dignos da estima dos vossos
correligionários, que de todo se esforçam
para o vosso engrandecimento espiritual.

             JOSÉ A. PEREIRA GABRIEL.


 
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