2 HA-LAPID ========================================== 1923-1943 Há vinte anos não havia vida judaica organizada na cidade do Pôrto. Viviam aqui alguns israelitas professos emigrados do Leste europeu, maranos ou cripto-judeus da Beira e de Trás-os-Montes, e só existia uma família judia portuguesa constituída, segundo as leis de Moisés e de Israel. Nos dias das solenes festividades da reli- gião hebraica, os israelitas residentes no Porto, iam cumprir as suas devoções à Comunidade de Lisboa e os maranos fa- ziam pequenas reuniões para dizerem as rezas que herdaram dos tenebrosos tempos das atrozes perseguições da Inquisição. Foi então que o Capitão Barros Basto, combatente na Flandres durante a Grande Guerra de 1914-1918, resolveu organizar a Comunidade Israelita do Pôrto e para esse fim aproveitou a colaboração dos judeus emigrados mais conhecedores do judaísmo oficial do que os maranos. Assim nasceu a pequena congregação israelita portuense. Pequena e Pobre, mas rica de fé e de coração ela foi a boa fada acolhedora para todos os que vieram acolher-se a capital nortenha deste Pais no extremo ocidente da Europa e se tornou um centro espiritual de ensino para os descendentes dos már- tires da Inquisição, que a ocultas prati- cavam a reigião dos seus antepassados. * O Brazão da Comunidade do Pôrto Os senhores de Mahamad reunidos em sessão no dia 1 de Janeiro de 1924 (9 de Shebat de 5684) aprovaram o se- guinte brazão para esta Comunidade: -"Em campo de sangue dumas pur- púreas chamas perfiladas de ouro emerge uma torre de prata encimada por um can- delabro de ouro de sete ramos." Também foi escolhida a seguinte di- visa: -Adonai li ve-ló irá (o Senhor comigo e nada receio). MARANUSSIM (MARANOS OU CRIPTO-JUDEUS) Quando no século XV, governando em Castela Fernando e Isabel, os reis católi- cos, se fizeram violentíssimas perseguiçöes e massacres de israelitas, alguns desses infelizes buscaram a salvação da sua vida e dos seus entes queridos, aceitando o baptismo cristão. Cada indivíduo destes (que aparente- mente se apresentavam como nazarenos, mas que no seu coração continuavam a guardar a fé de seus antepassados) era designado pelo nome de Maranus; palavra esta composta do advérbio hebraico Mar que significa amargamente, tristemente, e de participio passado do verbo anas (pro- nuncia-se anáce) que significa constran- gido, forçado; querendo pois a designação Maranus indicar que esse indivíduo fôra violentamente forçado a mudar de religião. Ouvindo o termo maranus, os não-judeus escreveram maranos, cujo som e igual ao da palavra hebraica, e tomaram-na como um plural. A forma maranos encontra-se no livro de actas das vereações da Camara do Pôrto, sessões do ano de 1485. Nessa época e nessas actas quando se queria o som de dois rr, escrevia-se sempre essas duas letras, mesmo no principio das pala- vras: ex. rrecebudos, etc. Ainda hoje os israelitas do norte de África designam pelo nome de anussim (plural de anuss) os cripto-judeus, que na tecnologia inquisitorial são chamados cris- tãos novos. É no período da dominação do Santo Ofício em Portugal e Espanha, que aparece o termo marranos, contrafacção de mara- nus, com o fim depreciativo, para indicar as pessoas de sangue infecto das más sep- tas, isto é, das que são oriundas de fami- lias cujos antepassados não seguiam o cristianismo. Nota da Redacção - É reproduzido este artigo publicado no n.° 1 deste jornal afim de esclarecer alguns leitores sobre a significação do termo marano.
N.º 118, Ab-Elul 5703 (Jul-Ago 1943)
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