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Ha-Lapid הלפיד


N.º 024, Heshvan 5690 (Out 1929)







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 2           HA-LAPÍD
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um só Deus, que tudo governa, e simu-
lando o sinal da cruz, tocavam na fronte,
nos labios e no coração, afirmando baixi-
nho a soberania de Adonai.

Desde que a liberdade lhes é concedida
em Portugal, as consciencias despertam, os
cripto-judeus revelam-se em plena luz. O
capitão Barros Basto, fllho e neto de mon-
tanheses maranos de Amarante, tornado
judeu e ardendo de proselitismo, acolhe e
favorece esta resurreição. Ele é o mestre,
o pregador laico, o animador deste judais-
mo renascente. Ele leva-nos hoje a uma
das origens principais doste movimento de
almas, numa das capitais da província de
Traz-os-Montes.

Estamos agora encerrados nas gargan-
tas rochosas onde se secam os rios, e,
olhando para os cimos deserticos, pensa-
mos no psalmo: "Levanto os olhos para
as montanhas: donde me virá o socorro?"
O capitão diz: ha lobos por aqui, no in-
verno, e falava-se ainda não ha muito tem-
po, de salteadores de estrada."

            *   *
              *

Após 10 horas de trajecto, Bragança
aparecia sob a chuva e na noite com al-
guns telhados onde vacilam luzes. A' nos-
sa chegada, um marano vem-nos saudar
no nosso rustico hotel. E' um burguês no
qual se nota o tipo semita. Sua mulher fi-
cou catolica. A' volta dos filhos, a familia
divide-se e luta. E' um drama de conscien-
cias. O capitão ordena ao seu discípulo e
mensageiro: "Amanhã á noite, reunião na
Sinagoga. Mande avisar." Por falta de re-
cursos, a Comunidade não tem ainda rabbi
diplomado.

Despertamos no silencio e no ar virgi-
nal das montanhas, com o doce sussurro
dum voar de pombas. E diz-nos galgando
as ruas de empedrados desiguais e aguça-
dos, entre casas toucadas de telhas aver-
melhadas. Nas varandas enfeitadas de co-
lunatas, por detraz de janelas em guilhoti-
na, curiosos se debruçam e espreitam, ca-
belos crespos, rostos morenos. O capitão
diz-nos: «São todos maranos... poucos
casamentos mixtos, ha seculos nesta re-
gíão."

Caminhamos lentamente, impedidos
pela passagem de jumentos carregados de
mólhos de urze e que, por vezes, param
no bebedoiro duma fonte. No angulo de
uma rua, uma placa indica que nasceu
aqui, em 1621, Orabio de Castro. Sabio
judeu, morto em Amsterdam, em 1687.Fo¡
prisioneiro da Inquisição, professor de
medicina em Toulouse e medico do rei de
França; regressou oficialmente ao judais.
mo e escreveu panfletos violentos contra o
catolicismo, um dos quais é uma dísserta-
ção sobre o Messias.

Ao longe, de cima da Cidadela de esti.
lo mourisco, entre montanhas nuas e con-
trafortes de Espanha, o capitão indica-nos
um cabêço:-E o Alto do Sapato onde se
juntavam os maranos, como os hugueno-
tes nas cevênas.

Lá baixo, o cemiterio que, detalhe ca-
racteristico, tem quasí só lages e poucas
cruzes. Ao som dos chocalhos duns reba-
nhos de ovelhas e de Carneiros, cujo pas.
tor nos saúda gravemente, o capitão ex.
plica-nos--Aqui tudo traz a marca do ju-
daismo, tudo o recorda, nem que seja por
costumes deformados. O mercado realisa-
-se ao domingo, os homens repousam á
segunda-feira, fazem a barba á sexta-feira,
vespera do Shabbath. Veja estes mortos
caídos no campo da batalha em França. E
nós lemos, sobre uma coluna datada de
1928: Sinai de Jesus Gomes, Abilio Augus-
to Salvador, Augusto Nogueira e outros
nomes tais como Henriques Rodrigues,
Almeida, que nos são familiares.

De repente somos abordados por um
velhinho, cujo desbotado capote de romei-
ra se assemelha a uma levita e que se
apoia a uma bengala. Aperta a mão do
senhor capitão, que cada qual conhece e
venera. Os seus olhos piscam de alegria.
E' um marano septuagenario, um antigo
vendedor de jornais, apelidado o Sequinho.
que educou nobre e piedosamente o seu
filho soldado em Africa. O capitão pede-lhe
para nos indicar uma casa onde poderia-
mos ver uma mulher oficiar, porque são
aqui as mulheres. quem contrariamente ao
judaismo ortodoxo, perpetuaram a tradi-
ção. As nossas primeiras tentativas são in-
frutuosas. Entramos primeiro em casa de
uma professora, que nos olha com des-
confiança, como reconduzida á. epoca das
perseguições. Ela defende-se:--as orações,
os cantos, ignore-os. E' minha irmã que


 
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