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Ha-Lapid הלפיד


N.º 024, Heshvan 5690 (Out 1929)







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             HA-LAPÍD               3
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os sabe... minha irma, que anda em via- 
gem.
Agora, é em casa do shamash, o bedel
da Sinagoga, muito iniciado, parece, no
rito maranico. Mas na sua pequena sala,
ela agrupou uma vintena de creanças, que
veem aprender costura e leitura. Ela não
pode, deante destes alunos, dos quais al-
guns são cristãos, exibir o seu caro culto
secreto. Ela contenta-se em nos mostrar,
ás escondidas, alfabetos hebraicos nos
quais os seus filhos começam a decifrar a
lingua santa.

Entao, vamos mais longe. Desta vez
batemos á porta duma casa sordida, cujo
odor nos apanha a garganta. Uma mulher
idosa, de nariz aquilino, embrulhada num
chale poeirento, um velho alto de fato re-
mandado veem ao nosso encontro, na es-
cada tortuosa. Eles desculpam-se: ah! se-
nhor capitão! Senhora! Vossas Excelencias
estao em casa de gente muito pobre!

A sala é com efeito lastimavel: três ca-
deiras, uma mêsa bancal; na alcova, um
leito de pomposo ornato, mas que contem
apenas uma enxerga. O Capitao pergunta:

-"Para uma correligionaria vinda da
longinqua França, quer dizer algumas
orações." Então a mulher cobre a cabeça
com um pano branco, que simula o Talith,
o manto ritual; vai misteriosamente buscar
a lampada sabática, tao pequena que se di-
ria um brinquedo, e deu-a para as nossas
mãos. Depois, ela olha para o oriente. O
seu rosto sulcado pela miseria ilumina-se,
os seus olhos rolam lágrimas, e, com uma
voz tremula, psalmodia:

-A benção que o Senhor votou
Ao Sol, á Lua e a Jacob
E a Abraão e a Isac
E a Santa Sarah e Santa Raquel
E a este povo peregrino...

Quando terminou uma longa e estranha
litania que nada tem de ortodoxa, e disse
Amen, Senhor, o velho apresenta-nos um li-
vro manuscrito, transmitido por seu pae,
que foi carteiro, como ele próprio carteiro
foi. Folheamos estas orações caligratadas,
descoloridas pelo uso: Cantico de Moisés,
Orações de Judit, de Daniel, de Tobias. do
Anjo Rafael, Oração das Ameaças, Oração
dos três meninos lançados ao fôgo pelo rei
de Babilonia. E todas estas orações em por-

 

tuguês, inspiradas nos livros apócrifos, mis-
turadas por vezes com formulas catolicas,
estão penetradas do terror da Inquisição e
a ela fazem alusão, por simbolos mais ou
menos velados.

A velha conta: "Os meus pais prati-
cavam aqui mesmo o culto. Nós assentava-
mo-nos no chao para que os visinhos nao
nos vissem."

Como observamos nas paredes agumas
gravuras, scenas dos evangelhos, madonas
ou santos, o velho abana a cabeça: "Ah!
E' para salvaguardar as aparencias... mas
nós não olhamos para elas, eles nao são
dos nossos."

O Capitao levanta-se: "Esta noite na sí-
nagoga, nao é verdade! Os velhos pro-
metem: uOh! sim, nesta noite, com satisfa-
ção." Eles desculpam-se ainda: ::Vossas
Excelencias estão em casa de gente muito 
pobre!"

Nove horas da noite, na sinagoga. Uma
escada de madeira, uma sala branqueada
de cal, onde sessenta e tal fieis nos esperam.
Raparigas, segundo um carinhoso costume,
lançam-nos flores. E depois instalamo-nos
na sala do oratorio onde arde a lampada
etema. Um estrado, alguns bancos, o he-
khal. que contem as taboas da Lei e que
enquadram dois ramos de flores artificiais.
Uma mulher abre o armario sagrado, todo
forrado de sêda rosa agaloada de ouro e
salpicada de ingenuas florinhas. Como nos
espantamos um pouco destes enfeites, que
não nos parecem tradicionais, o Capitao
sorri: -"Mas o templo de Jerusalem devia
ser ainda mais sumptuoso!" Contudo ele
faz sinal á mulher para fechar o santuario.

E' preciso, diz ele, despejar a pouco e
pouco o verdadeiro culto dos seus costu-
mes parasitas, que subsistem da mistura
das religiões. isso será o meu trabalhou: O
capitão vai pregar e oficiar. Olha para as
suas ovelhas, á esquerda, os homens, ope-
rarios, pequenos burgueses, comerciantes,
cultivadores, dois ou três soldados em
uniforme, dois ou três estudantes de capa,
vindos talvez por curiosidade, A' direita,
mulheres, todas do povo, de lenço na ca-
beça e cobertas com chales de côr desbo-
tada como os seus rostos. Algumas jovens
mães de tez palida e olhos cavados aper-


 
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