2 HA-LAPÍD ========================================= sobretudo como hebraisantes, e um notavel numero destes sofreu a pena capital. Uma palavra pronunciada por acaso era bastante para condenar um homem ao patibulo. Ser surpreendido por qualquer a mudar de roupa ao sabado ou dias festivos, ou a jejuar no dia da Expiação, equivalia a uma sentença de morte. Em taes condições foi impossivel aos maranos continuarem a observar um hebrais- mo integral: separados como estavam de todas as comunicações com o vastissimo mundo hebraico estrangeiro e das fontes classicas do espirito hebraico. Necessariamente assim muitas das tradi- ções dos seus Paes, cairam em desuso e é para admirar tudo quanto conseguiram con- servar: não só preceitos biblicos, com os quaes tinham maior ocasião de manter-se fa- miliarisados, mas tambem algumas praticas tradicionais de menor importancia. Continua- ram a observar o Sabado, acedendo sempre a lampada á sexta-feira á noite para cele- brar-lhe a entrada; jejuavam no dia da Ex- piação, se bem que com fim de enganar os espiões da Inquisição. o retardavam 24 ho- ras, do decimo para o decimo primeiro dia depois da lua nova. Celebravam a Pascoa, comendo pão sem levadura, tambem adian- do-a de um dia. Muitos outros vestígios da antiga pratica hebraica ficaram em vigor entre eles, mas sobretudo salvaram aquilo que era essencial na fé hebraica: a observan- cia do mais puro monoteismo e a rejeição completa das praxes do ambiente cristão que os cercava. Na segunda metade do seculo XVIII a Inquisição foi abolida em Portugal. Todavia não se deve porisso julgar que os Maranos podiam imediatamente porem-se em eviden- cia e regressar á publica observancia da re- ligião ancestral. Embora o hebraismo não fosse já um crime capital, o pratica-lo, era contudo uma coisa de discutivel legalidade. Os preconceitos do povo continuavam inalte- rados, e alem disso a tradição do culto se- creto ia inveterada por tres seculo de habi- to, não podia facilmente destruir-se. Por este motivo os Maranos continuaram a sua duplice vida, prestando com os labios obse- quio ao Cristianismo, permanecendo porem hebreus no intimo do coração. Finalmente a declaração da liberdade de consciencia, chegada com a proclamação da republica em 1910 mostrou-se insuficiente para suprimir os habitos inveterados de se- culos, e a pratica do cripto-judaismo conti- nuaram quasi sem modificação: Tão rigoro- samente se mantinha o segredo, que a gene- ralídade das pessoas cultas estavam conven- cidas, que os Maranos de Portugal estavam já absorvidos pela restante população, e porisso a sua descoberta feitas nestes ulti- mos anos foi acolhida nos meios intelectuais como uma das mais impressionantes revela- ções dos tempos modernos. Era esta a atmosfera de cerrado hebrais- mo, na qual nasceu Artur Carlos de Barros Basto. A sua origem hebraica póde dizer-se que se revelou na excepcional e multiforme actividade que começou, a manifestar desde a sua joventude. Homem de acção, empregou a sua vocação na carreira das armas, tornan- do-se militar. Foi um dos primeiros a aderir ao movimento revolucionarío de 1910, da qua] data o movimento do Portugal moderno. Foi ele que num dia memoravel, deste ano has- teou a bandeira republicana no Municipio do Porto, com risco de vida e foi em seguida levado em triunfo atravez as ruas pelo povo delirante. Durante a guerra prestou serviço no corpo expedicionario em França, na frente britanica duma maneira excepcionalmente distinta, e foi varias vezes condecorado e citado na ordem do dia. A ele se deve a instituição em Portugal dos boy-scouts dos quaes é um apaixonado campeão. Ao mesmo tempo notabilisou-se como escritor e é membro da censura literaria que se estabeleceu no Porto. II Os primeiros passos do retorno Contudo, no meio de toda esta profusão de actividade, andava pouco e pouco lavrando em Barros Basto um sentimento de hebrai- cidade que não podia ser reprimida, uma incoercivel sensação da potencia da religião hebraica e da sua identificação com a massa do povo hebraico. Já antes da guerra tinha começado a fre- queutar a sinagoga de Lisboa e a estudar a lingua hebraica da qual possue actualmente um conhecimento insolito para um autodida- ta. Mas a Comunidade oficial, educada nas pavidas tradições do seculo passado, hesita- va em conceder-lhe qualquer encorajamento. (E' preciso lembrar que até á Revolução os
N.º 025, Kislev 5690 (Nov 1929)
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