4 HA-LAPÍD =========================================== Resgate (como graciosamente se qualifica a o próprio) veste o uniforme e vai visitar o comandante da guarnição local, para demons- trar de uma forma evidente que o seu pro- grama não tem oposição alguma da autori- dade. Em sua companhia, ás vezes, apresen- ta-se depois em casa dum dos mais conspi- cuos maranos da localidade, onde se fará uma reunião. Ali, provavelmente pela pri- meira vez após mais de 4 seculos, celebra-se uma função publica segundo o rito hebraico tradicional. Os olhos de muitos dos presen- tes humedecem-se de lagrimas; lagrimas de alegria pelo grande acontecimento ao qual teem a sorte de assistir, lagrimas de receio que a iniciativa seja ainda demasiado arris- cada. Segue-se depois um apaixonado discurso, e na reunião seguinte constitua-se oficial- mente uma comunidade com o seu Presiden- te e com o seu Mahamad e com a sua si- gnificativa denominação hebraica. Numa des- tas ocasiões, um medico que tinha acompa- nhado Barros Basto (ex-marano como ele) iniciou em dois dias no pacto da aliança um miniau completo de adultos, pertencentes todos á fina flôr das familias da cidade. De tal forma quasi meia duzia de comunidades foram ressuscitadas durante os ultimos anos. Acerca desta visita contam-se coisas ex- traordinarias. Narraram-me que um velho de cerca de 70 anos, quasi cego, se lastimava de não poder contribuir com e seu esforço para a boa obra." Porém eu tenho os meus filhinhos--disse -tome conta deles. Encontrei-os no Porto: belos jovens, de inteligencia vívaz (um no inicio duma brilhante carreria intelectual), inteiramente dedicados ao Mestre e aos seus idiais. Entre os grupos de Maranos repete- -se com religiosa reverencia a anedota de um certo, que sendo surdo ha muitos anos, dirigindo uma oração ao Deus de Israel, en- quanto se acendia pela primeira vez a lam- pada perpetua na sinaguga da sua cidade, de regente instituição, recuperou o ouvido. Nes- ta localidade logo se apresentou ao governa- dor uma deputação de senhoras catolicas, as quais lhe pediram para mandar fechar a si- nagoga ha pouco inaugurada, que lhes pare- cia constituir uma ofensa á moralidade pu- blica, Ele recusou-se decididamente dizendo: -Que farieis vós se os hehreus me viessem pedir para mandar fechar a igreja?" Por outro lado, as dificuldades a vencer são enormes. O hebraismo secreto e tão profundamente enraizado em muitas pessoas, quo lhes parece agora sacrosanto, e a unica maneira para adorar o seu Deus, e a consi- deram virtualmente uma impiedade a publi- ca profissão da sua fé. Outros vivem uma vida muito afastada da actual, não fazendo a menor ideia dos progressos nos dois ultimas seculos, e temem que uma manifesta adesão ao hebraismo possa leva-los ás garras da In- quisição. A grande distancia e a deficiencia de meios aumentou a dificuldade da situa- ção. Apesar de tudo o trabalho continua a fazer constantes progressos. IV Actividade multiforme Mas estas visitas de propaganda consti- tuem só um lado da fenomenal actividade de Barros Basto: era necessário fazer alguma coisa que estabelecesse o contacto entre os nucleos isolados e a vida hebraica dos dias de hoje. Para este fim Barros Basto faz sair um jornal hebraico-o único do país-intitu- lado "Ha-Lapid" na direcção do qual poz um dos seus jovens adeptos. Ali se publicam no- ticías resumidas de interesse hebraico quer de Portugal, quer do Estrangeiro, artigos va- riados e os primeiros elementos da prática tradicional (especialmente referentes a qual- quer festa próxima) Estes ultimos são na sua maior parte extraídos do "Tesouro dos Diním" que Menassch Ben-Israel compilou há -três séculos para os maranos de Amster- dam. Este jornalsinbo e' largamente espa- lhado entre as várias familias de origem he- braica e tem prestado muito bom serviço. Os novos adeptos são, como é natural, comple- tamente ignorantes do hebraico, porisso Bar- ros Basto traduziu na lingua do país grande parte do ritual, que vai publicando em fas- cículos: a função de sexta-feira à noite, a Hagadá de Pascoa, as orações e as cerimo- nias pelos mortos o moribundos, etc. Ao mesmo tempo continua a sua produção lite- raria e recentemente, publicou uma no- tavel monografia sobre a historia dos hebreus do Porto. Muitas das coisas eram-me já conheci- das, e outras me andava contando o Apostolo dos Maranos, numa sexta-feira á noite, enquanto passeava-mos pela cidade. Era im- possivel não ser impressionado com a sua
N.º 025, Kislev 5690 (Nov 1929)
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