HA-LAPÍD 5 ======================================== Musica judaica O nosso correligíonario Leon Algazi foi entrevistado pelo jornal La Joire Musicale, de Paris, acerca da existencia da musica judaica. Dessa entrevista extratamos o se- guinte, por o julgarmos de interesse para os nossos leitores. "Ha uma musica judaica. Em primeiro lugar uma musica de essencia religiosa: duma parte, os cantos sinagogais que apre- sentam o duplo caracter de Soli incumbente ao Hazan (oficiante) e de tutti destinados á assembleia dos fieis; doutra parte, os can- tos do lar, cujo interprete é o pai e ás ve- zes a mãe. Os filhos, os convidados, formam mui- tas vezes um côro por vezes místicos e mu- sicais. Finalmente, ha uma completa floração de cantos populares: berceuses, dansas, can- ções d'amor, canções para beber, canções humoristicas, elegias,... Mas ali tambem as reminiscencias, as alusões religiosas são frequentes e fazem deste folk-lore um docu- mento humano completamente original. Sei que ha quem negue a originalidade da musica judaica, com o pretexto de que influencias diversas são sensíveis não só nos cantos religiosos como nós nossos can- tos populares, querem que a musica judaica não seja mais do que um amontoado de emprestimos ou de furtos heteroclitos. Mas conheceis um unico folk-lore musical ou outro, que tenha ficado puro de toda a mis- tura? O que eu posso afirmar quanto a mim, é que os especialistas do folk-lore falam tambem da influencia judaica no canto po- pular russo, romêno, hungaro, turco, arabe, como. . . do contrario. E vós não ignorais a importancia que os sabios musicologos atribuem hoje ao ele- mento judaico na formação do cantochão das igrejas catolicas e ortodoxas orientais. Conhecem-se os factos musicais judaicos e basta proceder a um simples trabalho de comparação para ver que a musica judaica tem a sua fisionomia propria, a sua perso- nalidade. Tomemos, por exemplo, o Kol Nidré, tornado celebre pela parafrase de Max. Bruch e, mais recentemente pelo disco e pelo filme sonoro. Pois bem, este canto, que não é certa- mente um dos nossos mais antigos (pois que o seu texto literario não deve remontar para alem do seculo XV) e nas versões di- ferentes do qual se descobriria facilmente impressões não judaicas, este canto não po- deria no confundido, nem com uma melo- pêa arabe, nem com uma doina romêna e ainda menos ser tomado por um trecho de canto chão gregoriano ou bisantino. Então, não tenho o direito de afirmar que é um canto judaico? O que caracterisa os cantos judaicos são algumas particularidades subtis e numero- sas, porque não ha, note bem isso, um tipo unico de cantos judaicos. Mas um traço é comum a toda a musica religiosa judaica. a qual constitue o fundo da nossa tradição musical: é a eloquencia. Uma eloquencia simples, quasi familiar, mas mais patetica e mais atraente. Nisto o canto sinagogal difere radicalmente do canto da igreja, mais extatico, mais magestoso, talvez, mas seguramente, menos expressivo. Um, o judeu, tende a comover a miseri- cordia divina; o outro, o cristão, busca acal- mar, direi embalar, a miseria humana... Pouco se sabe sobre a origem de estes cantos judaicos. Sabemos, por exemplo, que uma tradição musical existia já no se- timo seculo da nossa Era, pois que. nesse momento, vemos sabios judeus (os massore- tas) tratar de fixar essa tradição (pelo me- nos no que diz respeito a certos livros bi- blicos) por meio de sinais. Para dizer a verdade, estes sinais estão longe de apresentar o valor da notação mu- sical moderna. Eles não teem nem a sua simplicidade nem a sua precisão. Mas cer- tamente deram origem aos neumes com a ajuda dos quais foi notado o cantochão da igreja. Chamam-se em hebreu taamim ou nigounim e, verdadeiros grupetti, servem ao mesmo tempo para marcar a pontuação, o acento tónico, o ritmo e as inflexões me- lódicas da cantilêna com a qual se acompa- nha a recitação da maior parte dos textos biblicos. A interpretação destes sinais não é, por toda a parte, exactamente a mêsma, porque a linha melodica difere segundo as tradi- ções. Assim, entre os judeus, ditos espa- nhois, d'oriente, ela tem uma outra allure
N.º 037, Adar 5691 (Fev-Mar 1931)
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