N.º 038, Nissan 5691 (Mar-Abr 1931) > P02
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página

Ha-Lapid הלפיד


N.º 038, Nissan 5691 (Mar-Abr 1931)







fechar




 2               HA-LAPID
========================================

O Poeta e a Inquisição

     Antonio José da Silva (1705-1739)

Antonio José da Silva nasceu no Rio de
]aneiro na familia dum advogado cristão-
-novo. Sua mãe, acusada de judaisar, foi
presa um belo dia, enviada para Lisboa e
lançada no fundo dum calabouço. João
Mendes da Silva, o pai de Antonio não
foi inquietado (seria porque compunha
poesias catolicas?). Para se aproximar de
sua mulher aprisionada, emigrou para Lis-
boa com toda a sua familia. No fim dum
ano, e mãe de Antonio foi declarada recon-
ciliada com a Igreia e posta em Liberdade.

O jovem seguiu o curso de direito na
Universidade de Coimbra.
Na edade de 20 anos, foi a Lisboa para
ali passar as suas ferias, quando sua mãe
foi novamente prêsa. Ele mesmo foi egual-
mente metido numa prisão: acusavam-no
de judaisar.

Os inquisidores aterrorisaram-no re-
quintadamente; prodigalisavam alternativa-
mente as exhortações e as ameaças, e, no
decorrer dos interrogatorios, obrigavam-no
a trair os seus. A inevitavel tortura o es-
piava. O notario inquisitorial fez-lhe assi-
nar uma declaração reconhecendo que, se
ele fosse mutilado ou morto pelos tormen-
tos, isso seria sua culpa e não da Santa
Inquisição, porque ele merecia o castigo.
Foi submetido á tortura; durante muito
tempo, com a sua mão ferida não poderá
assinar o seu nome. Depois, num auto de
fé celebrado em presença do rei joão V,
teve que ajoelhar-s e prestar juramento, a
fim de se reconciliar com esta boa mãe
que seria para ele a Igreja. Devia egual-
mente prometer que nunca traíria os segre-
dos do Santo Tribunal. Quanto a sua mãe,
foi ela transferida para um calabouço se-
creto. Ela sofreu a tortura do pôtro e só
foi de clarada penitente e posta em liber-
dade três anos depois.

Livre, Antonio acabou os seus estudos
na Universidade e tornou-se advogado. Se-
ria um pequeno burguês como ha tantos
nesta profissão? Não, o seu genio e os seus
sofrimentos livraram-no disso. Espirito sar-
castico, ele sabe apanhar o burlesco e o
tragico da sua epoca. Compõe comedias
em prosa que o tornam depressa celebre.
Escreveu A vida do grande D. Quichote e
do gordo Sancho Pança revista burlesca,
sobre o motivo da obra de cervantes.

A mitologia e os autores antigos for-
necem-lhe assuntos de operêtas: Esopaida,
Os encantos de Medêa, Amphitryon ou Ju-
piter e Aleméua, o precipício de Phaeton e
outras. O seu rir era cantagioso; a multi-
dão aplaudiu as operas de judeu, como cha-
mavam ás peças de Antonio José da Silva.
Sob a capa da mitologia e o veu do gra-
cejo, o autor ria-se dos inquisidores, esses
juizes do ventre. O rei, os pedantes, os
medicos, os poetastros são alternadamente
os seus motivos. Sabe colocar as suas alu-
zões de maneira a enganar o faro dos cães
do Santo Oficio.

Nas suas comedias, o tragico alterna
com o comico; aos jogos de palavras, ás
palavras de calão sucede, de repente, uma
queixa lancinante. Na prosa são intercala-
dos versos; encontram-se dialogos morda-
zes, interludios musicais, recitativos e can-
çonetas, estas modinhas que Antonio trouxe
do Brasil.

Em seguida, Antonio parece ter tido
uma vida feliz. Despozou sua prima, Leo-
nor Maria Carvalho, que tinha, ela tambem,
permanecido nos calabouços da Inquisição.
Mas quando mais as suas peças obtinham
sucesso, tanto mais o numero dos seus ini-
migos crescia.

Não havia pedantes e poetastros entre
os inquisidores? Silva, por isso, contentou-
-se em publicar o seu teatro sem nome de
antor, sob o titulo de Teatro comico portu-
guês. Só ha poucos anos que se encontrou
o nome de Antonio josé da Silva, dessi-
mulado num acrostico que serve de prefa-
cio. Numa introdução ironica, o autor de-
dica as suas obras á mui nobre-dama Ar-
gentina Pecunia, que deve encarnar o di-
nheiro que toda a gente, declara ele, se
apressa a servir. Uma nota ajuntada ao vo-
lume II é uma especie de para-raios con-
tra as faiscas inquisitorias: "As palavras
Deuses, Deidades Destino, Divindade,
Omuipotencia e Sabedoria só devem ser
interpretadas no sentido poetico e de ne-
nhuma outra maneira, porque nestas obras
utilizam-se porque são indispensaveis como
ornamento da composição dramatica, mas
sem intenção de ofender em quer que seja


 
Ha-Lapid_ano05-n038_02-Nissan_5691_Mar-Abr_1931.png [173 KB]
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página