2 HA-LAPID ======================================== O Poeta e a Inquisição Antonio José da Silva (1705-1739) Antonio José da Silva nasceu no Rio de ]aneiro na familia dum advogado cristão- -novo. Sua mãe, acusada de judaisar, foi presa um belo dia, enviada para Lisboa e lançada no fundo dum calabouço. João Mendes da Silva, o pai de Antonio não foi inquietado (seria porque compunha poesias catolicas?). Para se aproximar de sua mulher aprisionada, emigrou para Lis- boa com toda a sua familia. No fim dum ano, e mãe de Antonio foi declarada recon- ciliada com a Igreia e posta em Liberdade. O jovem seguiu o curso de direito na Universidade de Coimbra. Na edade de 20 anos, foi a Lisboa para ali passar as suas ferias, quando sua mãe foi novamente prêsa. Ele mesmo foi egual- mente metido numa prisão: acusavam-no de judaisar. Os inquisidores aterrorisaram-no re- quintadamente; prodigalisavam alternativa- mente as exhortações e as ameaças, e, no decorrer dos interrogatorios, obrigavam-no a trair os seus. A inevitavel tortura o es- piava. O notario inquisitorial fez-lhe assi- nar uma declaração reconhecendo que, se ele fosse mutilado ou morto pelos tormen- tos, isso seria sua culpa e não da Santa Inquisição, porque ele merecia o castigo. Foi submetido á tortura; durante muito tempo, com a sua mão ferida não poderá assinar o seu nome. Depois, num auto de fé celebrado em presença do rei joão V, teve que ajoelhar-s e prestar juramento, a fim de se reconciliar com esta boa mãe que seria para ele a Igreja. Devia egual- mente prometer que nunca traíria os segre- dos do Santo Tribunal. Quanto a sua mãe, foi ela transferida para um calabouço se- creto. Ela sofreu a tortura do pôtro e só foi de clarada penitente e posta em liber- dade três anos depois. Livre, Antonio acabou os seus estudos na Universidade e tornou-se advogado. Se- ria um pequeno burguês como ha tantos nesta profissão? Não, o seu genio e os seus sofrimentos livraram-no disso. Espirito sar- castico, ele sabe apanhar o burlesco e o tragico da sua epoca. Compõe comedias em prosa que o tornam depressa celebre. Escreveu A vida do grande D. Quichote e do gordo Sancho Pança revista burlesca, sobre o motivo da obra de cervantes. A mitologia e os autores antigos for- necem-lhe assuntos de operêtas: Esopaida, Os encantos de Medêa, Amphitryon ou Ju- piter e Aleméua, o precipício de Phaeton e outras. O seu rir era cantagioso; a multi- dão aplaudiu as operas de judeu, como cha- mavam ás peças de Antonio José da Silva. Sob a capa da mitologia e o veu do gra- cejo, o autor ria-se dos inquisidores, esses juizes do ventre. O rei, os pedantes, os medicos, os poetastros são alternadamente os seus motivos. Sabe colocar as suas alu- zões de maneira a enganar o faro dos cães do Santo Oficio. Nas suas comedias, o tragico alterna com o comico; aos jogos de palavras, ás palavras de calão sucede, de repente, uma queixa lancinante. Na prosa são intercala- dos versos; encontram-se dialogos morda- zes, interludios musicais, recitativos e can- çonetas, estas modinhas que Antonio trouxe do Brasil. Em seguida, Antonio parece ter tido uma vida feliz. Despozou sua prima, Leo- nor Maria Carvalho, que tinha, ela tambem, permanecido nos calabouços da Inquisição. Mas quando mais as suas peças obtinham sucesso, tanto mais o numero dos seus ini- migos crescia. Não havia pedantes e poetastros entre os inquisidores? Silva, por isso, contentou- -se em publicar o seu teatro sem nome de antor, sob o titulo de Teatro comico portu- guês. Só ha poucos anos que se encontrou o nome de Antonio josé da Silva, dessi- mulado num acrostico que serve de prefa- cio. Numa introdução ironica, o autor de- dica as suas obras á mui nobre-dama Ar- gentina Pecunia, que deve encarnar o di- nheiro que toda a gente, declara ele, se apressa a servir. Uma nota ajuntada ao vo- lume II é uma especie de para-raios con- tra as faiscas inquisitorias: "As palavras Deuses, Deidades Destino, Divindade, Omuipotencia e Sabedoria só devem ser interpretadas no sentido poetico e de ne- nhuma outra maneira, porque nestas obras utilizam-se porque são indispensaveis como ornamento da composição dramatica, mas sem intenção de ofender em quer que seja
N.º 038, Nissan 5691 (Mar-Abr 1931)
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