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Ha-Lapid הלפיד


N.º 073, Kislev 5696 (Nov 1935)







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               HA-LAPÍD               3
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           Arrependimento

                   Norberto A. Morêno

Era noite.

O trovão ribombava aterrador, os relam-
pagos iluminavam com pequenos intervalos
a escuridão e a chuva tombava fortemente,
produzindo nos telhados um ruído entriste-
cedor. Algumas gotas passavam através
as telhas e calam por vezes sobre nós.

Tudo fazia invocar o poder divino e
predispunha para a meditação.

Uma vélhinha, rôsto encarquilhado, ca-
belos esbranquiçados e expressão suave
fora ao hotel pedir-me para ir a sua casa.

Ela própria me acompanhou.

Os seus passos eram lentos exprimiam
um enorme cansaço, motivado pelo esfôrço
que já fazia para andar.

Ajudei-a, oferecendo-lhe o braço que
aceitou, e agradeceu dizendo:

-Que Deus o proteja, bondoso senhor,
pelo bem que me está fazendo.

Chegando a casa entrou diante de mim
por uma porta esburacada, numa casinha
de cêrca de três metros de altura e sem
soalho.

Riscou um fósforo e acendeu uma can-
deia de azeite que estava dependurada num
canto.

Olhei então em roda.

A mobília compunha-se de uma cama
colocada sôbre dois compridos bancos e
com dois cobertores esfarrapados, uma
estante negra pelo fumo em que estavam
colocadas algumas malgas, pratos, garfos e
colheres; à volta da lareira que estava apa-
gada havia três brancos muito baixos, sen-
do dois de madeira e um de cortiça.

Sentou-se num deles e com algumas
giestas acendeu o lume, convidando-me a
tomar lugar noutro à frente dela.

Sentei-me também.

-Não sei ainda, comecei eu, qual o
motivo porque me pediu para vir aqui, mas
suponho-o desde já; pela resignação com
que parece aceitar as privações que deve
sofrer, concluo que deve ser profundamente
religiosa e sabendo ser eu um ministro de
Deus, não hesitou em chamar-me.

Necessitava de Consolação e procurava-a
em mim.



Diga, não é assim?

-Meu senhor-exclamou ela-erguendo
para mim os olhos em que se percebiam
lágrimas-é, na verdade essa a razão. Perdoe
por assim o ter incomodado.

-Boa senhora, creia que nada me inco-
moda; pelo contrário, sinto-me até muito
satisfeito procurando cumprir um sagrado
dever: consolar os que sofrem.

-Deus lhe pague, senhor, a sua bon-
dade.

Agora queria contar-lhe um pecado que
me pesa na consciência e preguntar-lhe se
poderei alcançar o perdão.

-Fale com tôda a confiança.

-Olhe senhor, há alguns anos a minha
miséria não era tanta.

Tinha uma casa, alguns bens e uma
filha a quem dedicava todo o meu amor.

Vivi feliz em companhia dela, a minha
única esperança, durante alguns anos. Mas,
quando chegou aos desoito anos, enamo-
rou se dum operário que não conhecia senti-
mentos de honradez e que veio pedir-ma
em casamento.

Recusei-lha porque o conhecia.

Ela chorou, chorou muito, muito e desde
então nunca a vi alegre.

Um dia soube que tinha side enganada
por êle e então-oh! Perdoai-me Senhor...
-expulsei-a de casa e mandei-a para junto
dêle, ja' que a tinha deshonrado.

Ele recusou-a, e ela sem voltar a casa,
partiu, sem saber para onde.

Nunca mais voltei a vê-la.

Una ocasião, ouvi falar duma rapariga
cujos sinais indicavam ser ela, e que estava
numa aldeia próximo daqui.

Fui a procura-la porque já me tinha
arrependido do que fizera.

Chegando lá disseram-me que se lançara
a um poço e morrera. Conheciam-lhe um
filhinho que tinha desaparecido havia alguns
dias.

Comecei a sentir remorsos.

Matou-se por minha causa, santo Deus!
-e as lágrimas inundavam-lhe os olhos...-
E o filhinho? O que seria feito dêle, inocente
anginho? Oh! Como sou desgraçada, eu, a
única culpada-continuava ela.

-Desde então parece que Deus me de-
samparou e, finalmente, vim cair, sem
parentes nem amigos nesta choça onde
tudo me falta. Ele desamparou-me. Casti-
ga-me e eu sofro resignada.-Os soluços


 
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