HA-LAPÍD 3 ======================================== Arrependimento Norberto A. Morêno Era noite. O trovão ribombava aterrador, os relam- pagos iluminavam com pequenos intervalos a escuridão e a chuva tombava fortemente, produzindo nos telhados um ruído entriste- cedor. Algumas gotas passavam através as telhas e calam por vezes sobre nós. Tudo fazia invocar o poder divino e predispunha para a meditação. Uma vélhinha, rôsto encarquilhado, ca- belos esbranquiçados e expressão suave fora ao hotel pedir-me para ir a sua casa. Ela própria me acompanhou. Os seus passos eram lentos exprimiam um enorme cansaço, motivado pelo esfôrço que já fazia para andar. Ajudei-a, oferecendo-lhe o braço que aceitou, e agradeceu dizendo: -Que Deus o proteja, bondoso senhor, pelo bem que me está fazendo. Chegando a casa entrou diante de mim por uma porta esburacada, numa casinha de cêrca de três metros de altura e sem soalho. Riscou um fósforo e acendeu uma can- deia de azeite que estava dependurada num canto. Olhei então em roda. A mobília compunha-se de uma cama colocada sôbre dois compridos bancos e com dois cobertores esfarrapados, uma estante negra pelo fumo em que estavam colocadas algumas malgas, pratos, garfos e colheres; à volta da lareira que estava apa- gada havia três brancos muito baixos, sen- do dois de madeira e um de cortiça. Sentou-se num deles e com algumas giestas acendeu o lume, convidando-me a tomar lugar noutro à frente dela. Sentei-me também. -Não sei ainda, comecei eu, qual o motivo porque me pediu para vir aqui, mas suponho-o desde já; pela resignação com que parece aceitar as privações que deve sofrer, concluo que deve ser profundamente religiosa e sabendo ser eu um ministro de Deus, não hesitou em chamar-me. Necessitava de Consolação e procurava-a em mim. Diga, não é assim? -Meu senhor-exclamou ela-erguendo para mim os olhos em que se percebiam lágrimas-é, na verdade essa a razão. Perdoe por assim o ter incomodado. -Boa senhora, creia que nada me inco- moda; pelo contrário, sinto-me até muito satisfeito procurando cumprir um sagrado dever: consolar os que sofrem. -Deus lhe pague, senhor, a sua bon- dade. Agora queria contar-lhe um pecado que me pesa na consciência e preguntar-lhe se poderei alcançar o perdão. -Fale com tôda a confiança. -Olhe senhor, há alguns anos a minha miséria não era tanta. Tinha uma casa, alguns bens e uma filha a quem dedicava todo o meu amor. Vivi feliz em companhia dela, a minha única esperança, durante alguns anos. Mas, quando chegou aos desoito anos, enamo- rou se dum operário que não conhecia senti- mentos de honradez e que veio pedir-ma em casamento. Recusei-lha porque o conhecia. Ela chorou, chorou muito, muito e desde então nunca a vi alegre. Um dia soube que tinha side enganada por êle e então-oh! Perdoai-me Senhor... -expulsei-a de casa e mandei-a para junto dêle, ja' que a tinha deshonrado. Ele recusou-a, e ela sem voltar a casa, partiu, sem saber para onde. Nunca mais voltei a vê-la. Una ocasião, ouvi falar duma rapariga cujos sinais indicavam ser ela, e que estava numa aldeia próximo daqui. Fui a procura-la porque já me tinha arrependido do que fizera. Chegando lá disseram-me que se lançara a um poço e morrera. Conheciam-lhe um filhinho que tinha desaparecido havia alguns dias. Comecei a sentir remorsos. Matou-se por minha causa, santo Deus! -e as lágrimas inundavam-lhe os olhos...- E o filhinho? O que seria feito dêle, inocente anginho? Oh! Como sou desgraçada, eu, a única culpada-continuava ela. -Desde então parece que Deus me de- samparou e, finalmente, vim cair, sem parentes nem amigos nesta choça onde tudo me falta. Ele desamparou-me. Casti- ga-me e eu sofro resignada.-Os soluços
N.º 073, Kislev 5696 (Nov 1935)
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