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Ha-Lapid הלפיד


N.º 104, Nissan-Yiar 5701 (Mar-Abr 1941)







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 2            HA-LAPID
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uns aos outros, fraternalmente, como se
pertencessem todos a uma única e nume-
rosa família - cujos membros deveriam
intensificar sempre a evangelização da sua
Nova Lei, até que um dia para êles surgisse,
enfim, numa aurora bendita, a "Terra da
Promissão"...

Sacrificava-se, então, o cordeiro imacu-
lado-que deveria ter mais de oito dias e
menos de um ano de idade. Durante uma
semana, apenas, deveria comer-se "pão
ázímo" -pão não levedado, feito somente
de água e farinha, sem o menor indício de
fermentação. Êsse pão, duro e insípido,
quási laminar e perfurado-como se fora
uma espécie de bolacha...-é talhado em
rodelas circulares, não havendo nunca inter-
rupção durante o tempo do seu fabrico,
desde que a massa pode ser manipulada até
à sua breve cozedura num forno muito
quente. Ao comer-se êsse pão ázimo e
duro, todos deverão relembrar as penosas
vicissitudes que os hebreus sofreram no
Egito e, meditando bem, esforçar-se-ão por
temperar os corações e as almas nas mais
duras provações. de maneira a poderem ser
enfrentadas e vencidas, com resignação e
estoicismo, as mais rudes surpresas da vida
futura. E na constância dessa mística reli-
giosa reside, afinal, o segredo da perseve-
rante vitalidade do povo hebraico-que,
embora impiedosamente perseguido, man-
tem em absoluta pureza a devoção sincera
da sua crença e a prática submissa dos seus
costumes tradicionais...
Vítimas inocentes dos horrores da guerra
actual, perseguidos e humilhados, sem Pá-
tria, sem lar e quási sem família, numerosos
judeus refugiaram-se em Portugal-seguro
"porto de abrigo" e zona pacífica da
Europa, com uma janela aberta sobre a
vastidão imensa do Atlântico. Quási todos
aqui aguardarão apenas a oportunidade de
emigrarem para a América do Norte-em
busca de trabalho e em demanda da Feli-
cidade que perderam. Fixaram-se muitos
deles na cidade do Porto, onde encontraram
sempre um acolhimento carinhoso, de sin-
cera e franca hospitalidade. E todos se
confessam penhoradamente gratos à popula-
ção portuense e às autoridades-que, de
algum modo, conseguiram até minorar-lhes
a desventura duma existência infortunada.
Aproximava-se agora a quadra solene da
Páscoa dos hebreus e, embora não pudessem


 
sacrificar, neste ano lutuoso, o cordeiro
imaculado, não queriam deixar de comer
durante aquêles oito dias o "pão ázimo"- 
que, presentemente, simbolizaria, num sa-
crifício de humildade e de resignação, o
estímulo para suportarem com heroísmo os
lances mais dolorosos da vida futura.
Obtiveram autorização legal e, sem
perda de tempo, improvisaram, numa pada-
ria desta cidade, as "suas instalações" para
a manipulação e cozedura daquele pão não
levedado-que vai ao forno em rodelas
laminares de massa, suspensas de varas de
madeira, durante dois ou três minutos.
Toda a comunidade judaica residente no
Porto-homens, mulheres e crianças, inte-
lectuais e operários, ricos e pobres...-se
apressou em colaborar, espontânea e gracio-
samente, nesse trabalho de intenção votiva
- que se transfigura enfim numa eloqüente
lição de civismo e num exemplo edificante
de nobre sacrifício por um Ideal, cuja tra-
dição se perpetua e se espiritualiza na admi-
rável realização dum ritual de mística e
sincera religiosidade.
Surpreendemos ontem, em plena labo-
ração, essa curiosa e improvisada padaria
da colónia judaica do Porto. Trabalhava-se
em fraterno e alegre convivio-como se
aquelas criaturas tivessem esquecido, por
momentos, a trágica desventura da sua
existência tormentosa. E, como que advi-
nhando no que meditavamos, um simpático
israelita, de barbas muito brancas e de
olhar muito sereno, informou-nos, solícito
e atencioso:
-Isto para nós representa a continui-
dade do nosso culto religioso-como se
estivéssemos, de novo, nos nossos antigos
lares. A Páscoa é a nossa "festa sagrada"
e, durante essa semana, nenhum de nós
comeria outro pão, que não fosse "pão
ázímo"-ainda que disso dependesse a
nossa própria vida... Ao saboreá-lo, assim
duro e insípido, meditaremos, uma vez mais,
nas injustas e violentas perseguições que o
povo hebreu tem sofrido, sem nos esque-
cermos nunca que a hora da justiça e da
Liberdade há de soar também,-quando,
no caminho do Senhor, encontrarmos, por
fim, a gloriosa "Terra da Promissão"...

 De O Primeiro de janeiro, de 27-3-1941.


 
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