N.º 108, Kislev-Tevet 5702 (Nov-Dez 1941) > P06
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página

Ha-Lapid הלפיד


N.º 108, Kislev-Tevet 5702 (Nov-Dez 1941)







fechar




 6             HA-LAPID
=========================================

        Admoestado com muita
               caridade...

      (DOCUMENTO COMPROVATIVO)

O Sr. Dr. António Baião, Director do Arquivo
Nacional da Torre-do-Tombo, no seu livro Episódios
Dramáticos da Inquisição Portuguesa, transcreve do
processo do cristão-novo António Soares, o seguinte
relato do tormento a que este crípto-judeu foi sujeito:

".. E logo na casa e lugar do tor-
mento estando ai os senhores inquisidores
e sendo o réu presente lhe foi dado jura-
mento dos Santos Evangelhos em que pôs
a mão sob cargo dele lhe foi mandado que
dissesse verdade e lhe foi dito que pelo
lugar em que estava e instrumentos que
nêle via poderia entender qual era a dili-
gência que com êle réu estava mandado
fazer pelo que para a poder escusar o
tornam admoestar com muita caridade da
parte de Cristo N. S.. queira confessar suas
culpas para com isso alcançar a misericórdia
que nesta mesa se dá aos bons e verda-
deiros confitentes e por o réu dizer que
não tinha culpas que confessar foram cha-
mados os ministros e o réu despoiado de
seus vestidos e assentado no banquinho.
pelos senhores inquisídores foi protestado
que se êle réu no dito tormento morresse,
quebrasse algum membro ou perdesse al-
gum sentido a culpa fósse dêle réu e não
dêles senhores inquisídores, ordinário, depu-
tados e mais oficiais e ministros do Santo
Oficio, pois com tanto atrevimento se punha
a tão grande perigo e saúde de sua vida.

E por os médicos e cirurgiões dizerem
vendo e apalpando pelas costas ao réu que
se queixava de dor em uma espádua direita
de doença que tivera de anos a esta parte.
e vendo que havia nela alguma lesão disse-
ram que convinha dar-se-lhe tormento no
potro aonde logo foi posto e lhe puzeram
os cordéis em tódas as oito partes aonde
de novo lhe foi feito o protesto pelo
senhor inquisidor na forma acima dita e o
admoestou de novo com muita caridade e
por dizer que não tinha culpas que con-
fessar lhe foram dando a primeira volta
com tódas as ditas oito partes e o senhor
inquisidor o foi admoestando que não tinha
que confessar, que era cristão, repetindo esta
palavra e dizendo quando o admoestavam



mas que morra, que era cristão, que sobre
os senhores inquisidores havia de ficar, que
não fizera tal coisa, e sendo admoestado
com caridade que confessasse, disse que
não queria confessar, que o matassem e
caindo no que tinha dito que não queria
confessar tornou a dizer que não tinha
culpas que confessar e tornou outra vez a
dizer que não queria, que não tinha que
confessar e lhe deram segunda volta em
todos os cordéis e sendo admoestado não
disse palavra mais que dar ais, misericórais
de Deus me favoreça pois me não crêem,
ela me socorra, Jesus seja com a minha
alma, estou acabado, dizendo estas palavra;
em tom como que cantava e sendo outra
vez admoestado respondeu:
-Não me digam nada que hei-de morrer
pela fé de Cristo e logo lhe foram dando
a terceira volta em todas as oito partes e
êle dizendo Misericórdia de Deus me valha,
não tenho que confessar, sou cristão, não
me digam nada e logo lhe foram dando
quarta volta e 0 foram admoestando com
muita caridade sem ele falar palavra, nem
dar um ai, só que se calassem que era
cristão e logo lhe foram dando cinco voltas
e o tornou o senhor inquisidor a admoestar
com muita caridade da parte de Cristo que
confessasse respondeu:
-Sou cristão, não me digam mais nada
e se lhe deu sexta volta e sétima volta sem
responder coisa nenhuma, sendo os cordéis
grossos, quebraram alguns e foi dito pelos
médicos e cirurgiões que se lhe tinham
dado tratos muito expertos e que até os-
cordéis delgados quebravam e sendo admoes-
tado com caridade que pedisse tempo para
cuidar suas culpas, respondeu que não tinha
que confessar, que era bom cristão mas
que o matassem e que lhe não dissessem
mais palavra:
-Querem que diga mentira não o hei-de
fazer.
E por dizerem os cirurgiões e médicos
que tinha levado todo o tormento que
devia levar e estar satisfeito do assento
mandou o senhor inquisidor que o desatas-
sem e o levassem a seu cárcere de que fil
êste termo que êle senhor inquisidor assinou
e eu, notário, António Monteiro, o escrevi.
Diogo Osório de Castro --António Mon-
teiro-Luís Alvares da Rocha.
E suporiam estas criaturas de forma
humana que tinham coração?


 
Ha-Lapid_ano16-n108_06-Kislev-Tevet_5702_Nov-Dez_1941.png [135 KB]
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página