8 HA-LAPID ======================================= da vingança, mas um Deus de amor e de caridade. Nós podemos contar com o nosso Pai celeste. Tudo nos pode faltar num momento; o nosso próprio corpo, enfraquecido pela doença ou curvado pela idade, pode um dia nos recusar os seus serviços. Uma hora virá em que os nossos lábios não se abrirão mais para pedir per- dão; mas Deus não nos faltará nunca. Que do fundo da nossa alma nós nos ele- vemos para Éle. Êie virá em nosso socorro e nos fará misericórdia. Um pai nunca é surda para os seus filhos. Sim, nós seremos certamente perdoa- dos, se o nosso arrependimento foi verda- deiro e se nós temos corajosamente repa- rado as nossas faltas. As portas da Casa de Deus não serão fechadas. sem que nós tenhamos feito ouvir um canto solene de triunfo (Nehilah). As nossas dores estão terminadas: nenhuma aflição não nos deve afligir mais. Pecadores. nós recebemos a garantia do perdão ; culpados, nós obti- vemos a graça divina. O Senhor disse:- Eu não quero a morte do mau; que êle regresse dos seus maus caminhos e que ele viva (Ezequiel, XVIII). Mas se a Nehi- lah é o encerramento de Kipur, deve tam- bém sê-lo de nossos pecados. O mal foi vencido e dominado. como outrora Baal sôbre o Carmel. Quanto a nós. como outrora o Povo israelita, convertido pelo profeta Elias, nós não reconhecemos outra realeza que a do Senhor, e nós exclamamos solenemente: Só o Senhor é Deus, só o Senhor é Deus (Adonai hu Elohim). Que estas palavras santas se tornem dora-avante o nosso grito de reünião na nossa luta contra as paixões que nos cercam. Quais- quer que sejam os encantos que a sedução nos apresente, desvia os olhos com firmeza. Pensemos que um dia virá em que uma voz terrivel ressoará aos nossos ouvidos. O instrumento sagrado do qual os sons majestosos se fazem ouvir no derradeiro momento de Kipur, não é mais que o sim- bolo do temível apêlo que nos citará cedo ou tarde ao tribunal de Deus. Não é sem motivo que o dia das expiações chega para nós depois do doce prazer da primavera e das ricas colheitas do estio. Como a re- ligião, a natureza nos convida a pensa- mentos sérios. As flores começam a desaparecer, os frutos foram colhidos; as próprias folhas vão cair das árvores ao pri- meiro sopro do vento. O inverno avança a largos passos; ainda algumas semanas e o seu hálito gelado vem trazer o frio nossas moradas. O inverno da nossa vida se aproxima também. Cada dia que passa é uma fôlha da nossa existência que cai murcha na poeira do passado. Nós sen- timos então que à volta de nós os homens e as coisas não podem dar-nos o repouso e a consolação que nós procuramos. E é-nos preciso um imenso amor; nós o encontraremos no seio de Deus num futuro eterno de celestes gozos. Tal é Kipur como foi instituido pelo Legislador divino de nossos pais, e assim como mais tarde o fizeram os homens da Grande Sinagoga, e depois dêles os poetas judeus da idade-Média. Esta solenidade é fecunda, nós o vimos, em lições duma alta importância, em ensinamentos profun- dos. Ela é necessária para nos arrancar de tempos a tempos ao mundo e nos re- conduzir a Deus. O arrependimento não nos é tornado fácil, mas os rigores nos são abrandados e a bondade divina o põe ao nosso al- cance; basta-nos um esforço para regres- sar ao bem. Êste esfôrço, é o sacrifício, sacrifi- cio material outrora sacrifício moral hoje. Êste esforço é o afastamento do mal e o cumprimento do bem; é a transfor- mação do homem pela purificação espi- ritual, isto é, pela religião; é a sua re- generação pela dedicação ao seu próximo. isto é, pela caridade. Um grande problema foi posto pelos dogmas de todos os povos: -o homem caido no pecado pode sair dêle pelas suas próprias forças? Kipur é a resposta do judaísmo; êle é a glorificação da liberdade humana. O homem que foi livre de pecados é livre de bem-fazer. O seu arrependimento lhe pertence, e Deus está sempre preparado para receber o seu re- gresso à virtude. O homem é senhor do seu destino moral; é só querer, e seu Pai celeste, segundo a bela expressão de Ezequiel, espalhará sôbre êle as águas puras da salvação. (Ezequiel, cap. XXXVI, vers. 25). Paris, 1864. ELIAS Aristides Astruc, Rabino-adjunto do Rabi-mor de Paris.
N.º 120, Kislev-Tevet 5704 (Nov-Dez 1943)
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