2 HA-LAPID ================================================ Portugal e Israel Como estao remotas as ideias visionarias do se- culo passado que do progresso e do amor da humani- dade faziam um lema do Estado e um dogma da cons- ciência publica. Rodou já um terço deste seculo que os profetas do optimismo tanto auspiciaram, e que é que se ve a imperar no mundo, a dirigir a alma dos homens e das nações? A cobiça do interesse, a vai- dade desmedida, a fereza agressiva do primitivo e da sua tribu. O freio da religião, da moral e da civiliza- ção não sustem o ímpeto dos caninos arreganhados do homem lobo do homem. De qua vale prantear esta molestia pandemica, espécie da cancro visceral que corroi os figados e os corações? Haverá raios que, como os da fisica, pre- tendam sarar esta chaga cancerosa? Ha, e velhos que são éles, porque tem dois mil anos de emissão-os raios da graça divina da caridade e do amor do proxi- mo, que infelizmente não valeram a este escalavro e pareciam ter desertado do mundo, Dois fenomenos colectivos recentes testemunham contrariamente estes embates do homem socíal e antí- social-um, mostra até onde pode chegar o frenesi cego e bestial contra o semelhante-outro, revela até onde pode ir ainda a solidariedade redentora. Se a perseguição que na Alemanha se move sem quartel ás gentes de sangue israelita revolta quem quer que tenha coração e cabeça, o grito da reprovação que estrondeia por toda a parte contra tamanha barbárie e crueldade, esse "sursum corda" emanado de povos, classes e individuos sem destrinça de bandeira nacio- nal ou religiosa, côa consolações no animo dos mais descoroçoados do futuro espiritual da Europa. Não; ha ainda homens que se prezam de ser e de defender homens. Nem que reprobo fora o israelita, haveria o di- reito de acossá-lo como a besta-fera. E reprobo por- qué? Raça proporcionalmente a mais inteligente de todas-ninguem ousa contestar-lhe esta superlativa intelectualidade-depois de alumiar o europeu bar- baro da idade Média com as luzes da sua ilustração, tem por esses seculos fora promovido o desenvolvi- mento da civilização em toda a sua inteireza-filoso- fia. ciencias e artes, por um lado, comercio, industria, actividade economica, por outro. Em tudo quanto re- presanta o esforço humano, á busca da verdade e do bem, la estão nomes hebraicos a intentá-lo e a rea- lizá-lo na primeira plana das celebridades de qual- quer ordem. Será a inveja o baixo mobil das perse- guições, de que só a selvajaria de outrora apenas ate- nuava a culpa? Orgulha-se a Alemanha de ser pais de alta cul- tura e até de na escala cultural ocupar a cabeceira. De honra a gloria lhe tem servido o lutar por esse primado da inteligencia produtiva. Filosofos, cientis- tas e artistas, há dois seculos lhe asseguram preemí- nencia. Na tecnica e na economia, rapido alcançou uma evolução prodigiosa. Criou industrias pujantissi- mas, expandiu a sua produção, graças a uma organi- zação comercial inexcedivel. Quem poderosamente concorreu para a formação e realização desta riqueza espiritual e pecuniária foi justamente o judeu-sem- pre o judeu em tudo e por tudo. Sem que se saiba bem pelo quê-a nao ser que queira dar-se às multidões dementadas pelas paixões um bode expiatorio-o anti-semitismo declara-lhe guerra de extermínio. Esboçaram-se "pogroms" como em tempo na barbara Russia czarista. que parecem sustados porque outro meio de destruição mais promo e geral se poe em acção: a boi-cotagem oficial por violência ou por sugestão, e, é, a fome infligida aos que são privados de exercer o seu oficio. Estão amea- çados de encerro estabelecimentos desde o Banco até a tenda. Defesas. as profissões liberais-magistratura advocacia, medicina, professorado, Direitos, acaba- ram-se, até o de angariar legitimamente meios de subsistência. Os medicos israelitas, expulsos das suas cadeiras, dos seus hospitais. dos seus laboratorios!... -eles que deram á medicina alemã um renome uni- versal. Devem-se-lhes muitos aos maiores descobri- mentos que vieram resgatar vidas, anulando e pre- venindo os estragos das doenças. Amigos privilegia- dos da humanidade sotredora, nem esses estão poupa- dos á santa persecutoria e eliminadora. Na idade Mé- dia, o fisico hebreu que então e em todas as épocas subsequentes quasi simboliza a arte medica, como que gozava de imunidade; nem essa se lhe presta agora. Dois nomes altissimos representam, cada um à sua maneira, a celebridade germanica; o israelita Einstein, o super-Newton do nosso tempo, verdadeira maravilha de celebralidade, e Tomaz Mann, a mais vigorosa pena de pensamento e de arte na literatura. Anatematizados, não voltarão á sua pátria, abando- nada á barbaridade reinante, pregada e perpetrada como suprema virtude nacional. Cada noite, ao bater das 10 horas, a T. S. F. irradia aos quatro rumos car- diais os 14 mandamentos da religião do ódio contra o semita, terminados por este ritornelo a soar como do- bre funerco-Die juden sind unser Unglück. Mesmo para os menos versados como eu no alemão, salta aos olhos a tradução-"Os judeus são a nossa desgraça". Desgraça sim, virá a cair sobre um pais que tal pro- fere-prodromo dum suicidio colectivo. Ninguem poderá dize-lo melhor que Portugal. Em dia negro para sempre nefasto, os arrojou do seu seio-foi a segunda "diáspora" da raça hebreia, a que mais atormentou as chamadas gentes de nação que deste territorio abençoado tinham feito segundo pa- raiso. Dispersos pelo Setentrião e pelo Mediterraneo. depois de sujeitos ás piores torturas, para todos os lu- gares onde se aceitaram levavam as saudades da pa- tria. Nos livros editados no exílio respira-se a cada passo o seu folego patriotico, o entusiasmo pelas gló- rias lusitanas. Sempre que sa propiciava ocasião de fa- vorecerem os feitos, os negocios e as conquistas dos portugueses, fizeram-no com largueza, generosidade e sacrifícios. Mas os seus talentos e aptidões foram enriquecer e honrar outras terras-a Holanda mais que nenhuma outra, a França, a inglaterra, a italia e até a Turquia. Em Nova York, onde hoje estadeiam dois milhões de habitantes, a primeira colmeia foi a dos judeus saidos do Brasil. O padre Antonio Vieira prégava em vão, em pleno seculo 17, o regresso dos hebreus; em nome da nossa propria prosperidade e aumento. A grande gloria dos Lusíadas, a rôta e os desco- brimentos por mares nunca dantes navegados, deve-se principalmente á ciência e a dedicação dos cosmógra- fos, astrónonos e matemáticos judeus de que a rea- leza inteligentemente soubera rodear-se. Perda inapre- ciavel a da sua expulsão, apenas atenuada pela pre-
N.º 055, Nissan 5693 (Abr 1933)
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