6 HA-LAPID ========================================== Hitler e Israel Recebemos a seguinte carta: Amigo senhor redactor:-Permita-me que comece por essa palavra que me acode e se impõe ao meu espirito dirigindo-me a quem com tanta generosidade abriu as colunas do "Diário de Noticias" em defesa de Israel. Essa palavra encerra também toda a minha gratidão e espero ainda ser abrangido por aquela mesma generosidade. Nomes eleva- dos na sociedade portuguêsa, homens de coração e de pena justiceira vieram em pról do meu povo, num momento triste para a sua história. Foi o amor da justiça e da humanidade que os moveu; nenhum outro interesse os podia estimular e por isso os seus depoimentos sobrelevam em importân- cia muito acima do que um filho de Israel pode alegar. Contudo. é cheio de imparcia- lidade que escrevo estas linhas; toda a mi- nha indignação e dôr pelos sofrimentos infli- gidos aos meus irmãos da Alemanhn, devo recalcar no fundo do coração, para que não se diga que me impele o desejo de atear a fogueira. Mas não ficaria bem com a minha consciencia se deixasse a defesa entregue unicamente às penas muito ilustres de gente em cujas veias não corre o sangue semita como no meu. A minha voz fraca, as minhas palavras dóbeis e pàlidas necessitam, à falta de outras penas mais eloqüentes e autoriza- das. de se juntar a êste côro de generosi- dade, que ouço levantar em torno a mim. O que se passa na Alemanha é efectivamente horrivel. Sei-o não só pelos telegramas pu- blicados na imprensa portuguesa e estran- geira, mas também por informações de caracter particular e fidedigno. Sei, por exemplo que, entre outras violências, come- tem a de não deixar expatriar-se aos proprios judeus perseguidos. Impedem-nos de exer- cer as suas funcões ou, mais bem, de ganhar o pão quotidiano e ao mesmo tempo impe- dem nos de sair da Alemanha, com o fim talvez de os destruir pela fome. E' esta, em resumo, a situação e ela é tão extrema que, de certo, não se poderá sustentar. Não é neste século vinte que assim se podem torturar criaturas humanas; o remédio há-de vir forçosamente de algum lado. Conheço a Alemanha por té-la visitado várias vezes e tenho ali amigos. Nem toda a Alemanha é nazi. Digamos a que metade do país o é. Concedamos essa grande maio- ria ao partido de Hitler. Mas essa maioria precisa de ser examinada; ela é principal- mente construida pelas classes populares. Hiteler tem uma qualidade, segundo di- zem, que vence todas as dificuldades: tem o dom da palavra e a eloqüência persuasiva_ Persuasiva, entendenda-se nas camadas do povo. Perante gente de alta cultura, perante professores de ensino superior, perente sá- bios e sociologos, assim fui informado, os ímpetos da sua eloqüéncia despedaçam-se de encontro à incredulidade daqueles que não se deixaram subjugar pela doença con- tagiosa, que avassalou a metade da Alemanha. Os sabios explicam como se dão êstes ataques da epilepsia colectiva, que conse- guém dominar a opinião pública. Mas se Hitler não é escutado pela classe dos inte- lectuais, como seria para desejar para bem do seu partido, é em compensação escutado com admiração religiosa pelas baixas cama- das do povo. Os seus adeptos são recruta- dos em geral entre adolescentes, pouco ins- truídos e fanáticos. Foi no espirito dominador, írrequieto e militarista da Prussía que ele encontrou os seus melhores sectários. O prussiano adora o uniforme que partilha das coisas bélicas; as suas marchas rígidas, com os seus corpos bem hirtos, fazendo retinir ruidosamente os tacões das pesadas botas contra o pavimento das calçada s, trazem-lhe evocações de conquistas guerreiras e de su- premacia sôbre os outros povos. Hitler soube explorar êsse espirito e teve quem para êsse campo o empurrasse e o adestrasse. Sózinho não teria dado conta do recado; houve quem lhe ensinasse o caminho e sou- besse aproveitar a sua eloqüência fogosa. A Alemanha ficou, depois da guerra, numa situação angustiosa; o corredor de Dantzig, a perda das colónias, foram circunstâncias que, por imposição do tratado de Versalhes, a atormentaram. As indústrias sofreram, as reparações ameaçavam asfixiá-la. Foi nesta conjuntura que surgiu o Messias-o falso Messias-e o povo, doente em perigo de vida, acreditou facilmente no remédio que o médico fantasioso lhe oferecia na forma de um longo programa de governo. Depois do povo, é fácil de conceber que outras classes se deixassem arrastar por contágio. Assim se levantou a onda, que, como sucede sem- pre em casos ldenticos, deve envolver muitas
N.º 055, Nissan 5693 (Abr 1933)
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