HA-LAPID 3 =================================================== sença dos cripto-judeus, os cristãos novos que nos restaram. Ainda hoje lá fora o judeu portugués ergue com orgulho a fidalguia da sua procedência; até na própria região levantina, na Síria, na Palestina, na Macedónia, onde lhes ouví a fala materna. Muitos dos judeus alemães são descendentes de portugueses de que conservam apelidos e o rito se- phardi da sinagoga. Tem nas veias sangue nosso, e o nosso coraçao não pode ficar indiferente a tamanha desventura. Já se não matam e torram como outrora no queimadeiro, mas paralisam-lhes as cabeças e os braços para que rebentem de penuria e desespero. A mais elementar fraternidade se recalca, aquela de homens criados no mesmo torrão, enjeitados pela terra que os viu nascer e para o bem da qual traba- lharam. Há muito sangue israelita nesta terra, sobretudo em certas províncias. Em Lisboa foi-lhe ajuntando um nucleo formado por familias consideradas, onde se estremam individuos a ocupar situações honrosas no comercio, na industria, no professorado e nas pro- fissões liberais. Ultimamente esta comunidade tem-'e acrescentado com hebreus da Europa Central que trouxeram o fermento do seu trabalho proveitoso ás industrias de minas e de artefactos. Pequeno como é o nosso Pais, se tem pouca capacidade de absorpção, pode todavia recolher, dentro das suas forças, elemen- tos uteis para a vida metropolitana e colonial, tanto há ainda numa ou noutra que empreender e que fa- zer: se o exodo dos alemães perseguidos derivasse um pouco para este lado, beneficio auferiamos do seu advento, graças ás suas aptidões para a actividade economica moderna. Quem sabe o que sucederá? D. Manuel ainda os deixou partir, embora á custa de incleméncias; agora a Alemanha diz-se que intenta retê-los como refens. As ultimas noticias parecem reduzir a existência de judeuss, na partilha das profissões a contingentes, de percentagem-e os sobrantes?! Que mais teremos que ver nesta quadra infausta em que o homem se cobre a si proprio de maldições e o direito natural e social entr. rim de caducar! Ricardo jorge. * P.S. -Quem sabe se apenas se verá nestas frases sinceramente comovidas de compaixão, a voz do san- gue. Muitissima gente em Portugal tem, sem o saber, nas veias glóbulos hebraicos. Se eu soubesse que de- véras descendo de judeus, por honrado me daria com a ascendência. Tenho por esta raça sim, a maior sim- patia desde muito significada-vem-me, não de casta ou do crença, mas de espirito consagrado ás materias intelectuais-vem-me da minha profissão que entre nós e foi-a de nós se gloria de nomes maximos de fi- liação judaica--vem-me enfim da própria pátria que tanto lucrou com a sua acção e tanto perdeu com o seu afugentamento. Prezo-me de judiofilo, precisa- mente porque o destino bem ou mal fez de mim um cerebral e um medico e porque sou de nascença e de caracter um português. De Diario de Noticias Lisboa-5-Abril-1933. Anti-Semitismo Os movimentos anti-semitas na última metade do seculo XIX, sendo um retorno ofensivo das antigas classes dirigentes, a aristocracia e o clero, levantando a bandeira das rivalidades religiosas, do ódio dos cristãos ao povo deicida, já no fundo, como tudo, ti- nham um fermento de luta económica. O principe de Lichtenstein era um grande proprietário feudal e foi o corifeu do anti-semitismo na Austria. O pastor protestando Stoeker, chefe da cruzada alemã contra os judeus, era subvencionado na campanha, pelo pe- queno comércio das cidades alemãs, desejoso de es- magar o pequeno comerciante israelita. O jornalista clerical Julio Drumond, chefe do anti-semitismo fran- cez e traidor á sua raça, representava a Companhia de Jesus, que era e é um potentado comercial e finan- ceiro. Mas nessa primeira fase, na fase bucolica das lu- tas económicas e políticas, o fundamento económico da cruzada, podia disfarçar-se com razões sentimen- tais e de mera intolerância religiosa e fanatismo me- dieval. Mas sob este aspecto de tentativa de restauração dum passado morto a breve trecho a onda anti-semita morreu, no meio da indeferença e do ridiculo. Foi então que, para dar ao anti-semitismo uma aparência de fundamento, aqueles que dirigiam o combate, re- conheceram que era preciso modernizá-lo e dar-lhe rasões mais positivas. Fizeram crer, para isso, ao proprietário territo- rial, que iam salvá-lo do predomínio da grande indus- tria; ao pequeno comerciante que o iam furtar á con- corrência necessáriamente victoriosa dos grandes ar- mazens: á finança cristã que a iam desembaraçar da concorrência da finança israelita, melhor estabelecida e superiormente preparada por um treno secular. Mas a solidariedade destas classes não chegava para o combate. Era preciso arrastar consigo as mas- sas proletárias. Ora nas massas populares já se encon- trava muito radicada a ideia de que a sua libertação económica não dependia de que os seus explorado- res tivessem esta ou aquela religião. Então os anti-semitas prégaram uma demagogia expropriadôra uni-lateral. O expropriado devia ser o judeu - tal como em 1789 os expropriados deviam ser a nobreza e o clero e a propriedade sagrada a da burguesia, recem chegada ao Poder. A esta ideia pseudo-socialista chamava o velho Bebel o "socialis- mo dos imbecis". Nós acrescentariamos - e o dos larapios. Mas nunca, ontem como hoje, um verdadeiro ex- plorador, mesmo que fôsse judeu, foi atingido. Atravez da onda de anti-semitismo francês e ale- mão os príncipes da finança judaica, pouco ou nada sofreram. Esta ignóbil reacção política e religiosa tem toda- via estreitos pontos de contacto com a chamada bur- guesia liberal, diante da qual se põe, por vezes em inimiga. Como esta, nega a existência da luta, condicio- nada ás categorias económicas. Atribuindo todos os seus males aos judeus, finge desconhecer que como classe exploradôra é muito mais numerosa a cristã do
N.º 055, Nissan 5693 (Abr 1933)
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