2 HA-LAPID ============================================ Ha dias, estava eu sentado à mesa dum café a rabiscar não sei que historieta quando senti tocarem-me no ombro. Voltei-me e fiquei surpreendido. Tinha na minha frente um velho amigo de quem já nem sequer me lembrava; nada mais nada menos que um companheiro dos primeiros anos do liceu, companheiro que nunca deixou de tomar parte em aventura alguma daquelas que tão bem caracterizam os estudantes e têm o condão de os conservar, tanto quanto possí- vel, unidos fraternalmente pela vida fóra; sendo obrigados, a separar-se, o que sucede quási sempre, maior é o prazer que experi- mentam quando mais tarde se encontram; eis o que agora sucedía comigo e que sem dúvida, deve ter sucedido contigo, leitor amigo. Ora a pessoa a quem me refiro tinha sido obrigado pelas dificuldades da vida a ir parar às costas africanas de onde nunca mais deu sinal de si. Compreende-se, pois a minha admiração ao vê-lo agora ali, fren- te a frente comigo; era bem êle; os mesmos olhos, os mesmos cabelos, etc. etc.: modi- ficações apenas aquelas que o tempo impri- me incluindo a côr mais morena do rosto, efeitos dos raios solares, da região equato- rial. Contudo perfeitamente recouhecível. Abraçámo-nos, sentámo-nos e conversa- mos pondo-nos mutuamente ao facto da nossa vida durante os anos da sua ausên- cia. Duas vidas totalmente diterentes, tal- vez dois interessantes romances se fossem bem escritos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . -Ah! Uma coisa que me estava a es- quecer. . . -Vamos lá ouvir. -Preguntei em minha casa por ti e disseram-me que tinhas abraçado a religião israelita. Quasi não acreditei porque estava plenamente convencido de que hoje já não existiam israelitas em Portugal. -...Disseram-te a verdade. Realmente abraçei a religião judaica ou melhor regres- sei à dos meus antepassados. -Não me compreendes, mas eu vou tor- nar-me claro, sendo, contudo, o mais breve possivel. Começarei por te dizer que os judeus aquele povo que na idade antiga tão nota- vel se tornou pela sua religião, pois en- quanto todos os outros povos seus contem- poraneos adoravam uma infinidade de deu- ses por vezes com todas as fraquezas hu- manas, êle chegava à concepção de um Unico, todo - poderoso e espiritual, nota bem, um Deus espiritual naquela epoca em oue só o materialismo reinava. E' só a Ele que se agarraram desprezando todos os outros. Era um povo pequeno, mas que a sua fé tornava quási invencível. Cedo co- meçou a dar provas da sua elevação moral proclamando a dôr do escravo bem como muitíssimos principios que ainda hoje re- zem as nações civílizadas. Esie povo dotado duma persistencia rara e de várias outras qualidades, moral- mente incompreendido começando a salien- tar-se começa tambem a ser uma vitima dos ódios dos poderosos. Todos os outros povos o atacam, todos procuram destrui-lo, não olhando sequer aos meios e sorrindo-se das profecias em que ele cria piamente: "será um povo eter- no; poderá sofrer, ser disperso por todas as nações, mas nunca sera completamente destruídon etc. Porém Israel resiste sempre preferindo morrer a profanar a sua religião, a blasfemar contra o seu Deus. A sua vida é um martírio. Originária do Oriente com o decorrer dos séculos espalha-se por todo o mundo. Vêm para Portugal e até bem cedo, alquns séculos antes de este pais existir. Aqui viveram muitas familias israelitas ora pro- tegidas pelos reis que lhes compreendiam e admiravam as qualidades, sobretudo intele- ctuais, ora perseguidas e expoliadas: isto sucedia geralmente quando os tesouros reais se esgotavam. Note-se, porém que tal não sucedeu só entre nós; foi em toda a parte; o imperador Adriano chegou a ven- dê-los como escravos e como ele, fizeram muitos outros. Apesar de tudo a sua acção foi sempre notavel. Em Portugal no seu período de explendor, séculos XIV e XV, lá estão eles em todas as grandes emprêsas. E' a êles que D. joão II manda por terra É saber noticias do pais das maravilhas, a India. --Perdôa por te interromper. Não sei a que te queres referir,
N.º 071, Tamuz-Ab 5695 (Jun-Jul 1935)
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