4 HA-LAPID ================================================ Lamentações sôbre o Tempo por Judah Ben-Isaac Abravanel (o Leão Hebreu) 1-O tempo feriu o meu coração com uma flecha aguda: tendo-o trespassado até ao fundo dos meus rins; 2- Feriu-me com uma chaga incurável; afligiu-me com uma dôr persistente. 3-Atingiu-me fazendo-me uma ferida que devora a minha carne; a minha dôr consumiu o meu sangue e a minha gordura. 4-Tendo quebrado os meus ossos na sua cólera, levantou-se contra mim como um lião. 5-Nâo achando bastante o ter-me torturado, fez ainda de mim, na flor da juventude um proscrito, um vagamundo; 6-Fez-me sacudir através o mundo como um mercenário, empurrando-me para os confins da terra. 7-Há já cêrca de vinte anos que os meus cavalos e o meu carro ignoram o que é repouso: 8-Medindo com os meus passos as águas e as terras; assim se consumiu a minha Primavera. 9-Êle afugentou para longe de mim os meus amigos; aos da minha geração, fê-los exilar; aos meus próximos, os afastou todos; 10-De modo que já não posso vêr, nem aproxi- mar-me dos mais íntimos, nem de minha mãe e de meus irmãos, nem mesmo de meu pai. 11 -Dispersou os que eu amava: um para o Norte, outro para Leste e outros ainda para o Oci- dente; 12 -Para que os meus pensamentos não conhe- çam a tranquilidade, para que eu não tenha mais paz, nem sequer nas minhas meditações; 13-E quando a minha face se volta para o Oriente, a separação dos meus me morde no calcanhar; 14-O meu pé escorrega, perturba-se e agita-se o meu coração e já não sei se caminho para a frente ou para traz. 15-O Tempo dilacerou e rasgou o meu coração, como um urso, como um lobo, o despedaça. 16-Suspiros e angustias se apoderaram dêle, à força de raptos. de pilhagens e de exilios. 17-Com tôdas estas minhas penas ainda não se contentou, procurou ainda acabar comigo, extinguiu- do-me a minha centelha. 18-Dois filhos me tinham nascido, filhos deli- ciosos, de rara beleza, como a da gazela: 19 -O mais novo, a quem dei o nome de Samuel, cêdo me foi roubado pelo Tirano que me espreitava; 20-Abateu-o no quinto ano da vida, acabru- nhando-me assim com um aumento de pênas e tor- mentos; 21-Quanto ao mais velho-a quem dei o nome de Isaac-Abravanel, como a rocha da qual fui talhado; 22-Com o mesmo nome de seu avô, éste grande em Israel, éste filho de Jessé, que é a Luz do Ocidente; 23-Quando êle nasceu, eu previ que no seu co- ração a Sabedoria, com que os seus antepassados e eu próprio fomos agraciados. 24-Ai de mim, tinha êle um ano de idade quando o meu pérfido Inimigo o arrebatou para longe de mim. 25-No tempo em que os filhos do Exilio de Se- pharad foram expulsos. o rei deu ordem para me pre pararem uma cilada: 26-Para me impedirem de deixar o paiz e de passar para além das suas fronteiras, pensou em man- dar raptar o meu filho, a medula dos meus ossos: 27- Para o converter à sua própria fé, mas um homem de coração, meu amigo, avisou disso os meus ouvidos. 28 -Eu o enviei durante as trevas, no coração da noite, com a sua ama-como se se tratasse duma creança roubada-. 29-Para Portugal; lá onde reina Manuel, tornado depois meu destruidor. 30-Neste paiz foram grandes a fama e as riquezas de meu pai, enquanto vivia o pai dêste rei, o rei que eu respeitava. 31-E depois subiu ao trôno um celerado, iniquo, cúpido, cruel, homem voluptuoso e cínico. 32- Tendo conspirado contra êles os seus minis-- tros e os seus próprios irmãos, (meu pai) se achou falsamente implicado na conjura. 33-Êle (D. João II) matou seu irmão, depois pretendeu matar meu pai, mas Aquele que domina os Querubins salvou-o da morte. 34 -Meu pai conseguiu fugir para Castela, o paiz de origem dos meus avós, o berço da minha família. 35-Mas o rei saqueou o meu património até à última pedra, apoderou-se dos meus bens, a minha prata e o meu ouro. 36 -Como ele soubesse que eu me tinha refugiado em casa de meu pai na itália e que meu filho tinha chegado à sua terra. 37-Deu ordem para se apoderarem da creança para que se não escapasse, tendo-me assim privado da consolaçao de tornar a encontrar aquêle que eu julgava ter bem ocultada. 38-Depois da morte dêste (Rei) levantou-se um rei insensato, devoto, espírito ôco. 39- Êle obrigou toda a comunidade de Jacob, todos os filhos da minha nobre nação a se converterem; 40-Numerosos foram os que a si próprios deram a morte para não se exporem a transgredir a Lei da meu Deus-Aquele que é meu salvador. 41-Foi então que se apoderaram das delicias da minha alma e que lhe mudaram o seu glorioso nome, mesmo o do meu rochedo de origem. 42-Agora está êle já com 42 anos de idade-sem que o tenha tornado a ver: por causa do pecado que pesa sobre mim. 43-Eu choro: sôbre a minha cabeça a raiva. contra a minha alma, os meus queixumes e as minhas lamentações. 44-Porque fui eu próprio que o fiz fugir dum perigo para uma cilada; do brazeiro eu o lancei na chama. 45-Eu espero-o-mas a minha espera é erissada de espinhos. Porque tardas tu pois, ó gazela de meus amores?
N.º 081, Tishri-Heshvan 5698 (Set-Out 1937)
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