HA-LAPÍD 5 ============================================= 46- Para que afligir o coração daquêle que te gerou? Porque és semelhante ao que me enterrasse uma flecha nos meus rins? 47-Tu obscuresces a luz sob uma nuvem, tu transformas a claridade em crepusculo. 48-A lua eclipsa-se sempre aos meus olhares, as estrêlas dormem ocultas nas trevas. 49-Nem um raio de sol luz na miséria, Nem um raio penetra pelas janelas do meu coração. 50-A rosa do meu Saron não floresce, a chuva não refresca os meus campos. 51-Perturbas os meus pensamentos, tiras o sóno aos meus olhos, e não distingo já a hora de me levantar, nem a hora de me deitar. 52-Nâo me deleito com as minhas refeições: na minha bôca o mel é amargo, tôda a doçura é para mim veneno. 53-Os pasteis açucarados são pedras duras, entre choros como pão sêco. 54-As lágrimas, eu as misturo com a minha água, e as bêbo, e o sangue das uvas iá não entra na minha bôca. 55-Eu fico saciado de água e de deslocações a ponto de ser considerado como um dos Bené-Recha- bitas. 56 -Mas quando sonho com o teu regresso e o meu pensamento faz aparecer a tua imagem aos meus olhos. 57-Imagino que a minha sorte é dóce e o meu rosto cobre-se de rosada côr. 58-Depois adormeço num dóce sôno e desperto contente e de bom humor: 59-Dôce me parece então a água que bebo e em comunhão contigo-o meu pão duro me parece deli- cioso. 6O-Contudo, logo que me lembro do teu exílio, o meu coração abraza-se com um fôgo cuio calor me tortura. 61- Semelhante a um homem atordoado e lasso, eu fico decaido a minha estatura torna-se encolhida e magra. 62- Não é a tua recordação-que é a minha alegria e a minha tristeza? Não és tu o meu balsamo, mas também o meu inimigo e o meu opressor? 63-A tua imagem está gravada no meu coração e é no meu coração que está também traçado o teu afastamento. 64-E mais do que ela me reanima, a tua imagem ausente me aflige. 65-A tua separação confunde os meus projectos; o teu exilio impede e torna tortuosos os meus cami- nhos. 66-É por tua causa que a minha alma foi abatida e que o meu orgulho foi humilhado; 67-A ponto que os sicomoros se levantam acima do meu cipreste e que o arbusto do hisope pareça mais alto que os meus cedros; 68-Que o morcêgo ultrapasse o meu abutre e que a môsca vôe por cima das azas da minha águia; 69-Que os meus membros enfraqueçam em plena juventude; que o anho triunfe sobre os meus liões. 70-Atiro para longe a minha musa; quebrei o meu violino, a minha lira a pendurei num salgueiro; 71-Mudei o meu cântico em canto de choros, na minha dor a minha flauta vibra com fúnebre som. 72-A minha pomba se mudou em coruja, a mi- nha rôla se transformou em côrvo. 73-Aborreço os palácios dos reis e aspira a viver ao deserto como um beduino. 74 - Ó meu filho, o teu exílio me tortura, me aca brunha e me cerca de ciladas. 75-É êle que enfraquece o meu coração, que enraivece os meus sentidos e apodrece os meus ossos. 76-Ouço tua mãe todos os dias chorando, cha- mando por ti: "Meu querido, meu coração, minha seiva! 77-"Que te arrancou ao meu seio e fez do fruto das minhas entranhas uma creança abandonada?" 78-Eu sinto-me exausto de fórças para ouvir os seus queixumes ou para dissimular o meu desgosto no meu fôro intimo. 79-Entâo a deixei. Fui para junto do meu Rei para cumprir o serviço com que Deus, meu Bemfeitor, me agraciou. 80-Eu andava errante sem repouso, circulando por Edom, o povo das fogueiras. 81-Sem encontrar bálsamo para as minhas feri- das, sem que o Tempo,-êste inimigo que me perse- gue- -me deixe de novo levantar. 82-Odeio os dias e as noites de suplicios-e prefiro a morte: quizesse Deus que assim fôsse. 83 -A vida é uma carga para mim e os dias pe- sam sôbre as minhas costas e sôbre os meus ombros. tais como as areias do mar. 84-Que aproveito desta vida cheia de desgastes, à espera do fim do meu destino? 85 -Para uma alma mortificada, a vida é a morte. Ora, eu já tenho tido bastante disso, e a sua custa duração vale bem uma longa. 86-Porque esperarei eu uma longa vida quando está embuscado atraz de mim um urso feroz? 87-Os filhos do Dia, os filhos da adjava cujo arco me foi destinado pelo meu Atirador do alto do céu. 88-Sou eu oue lhe sirvo de alvo; é à volta do circulo do meu eixo que êles giram. 90-Deixa-me pois, que eu retome a palavra, com o meu único filho: que ele deixe de ser meu tortu- rador! 90-Ó meu primogenito! Ajusta o teu coração e aprende: não és tu filho dos sábios cuia sabedoria eguala a dos profetas? 91-A sabedoria coube-te por herança, tu não deveras perder mais dias da tua infância; ó meu querido! 92-Agora, meu filho tu tentarás dedicar-te aos estudos: Aprenderás a ler as Escrituras e a interpretar os textos: 93-Depois-a recitar a Mishnah, a estudar o Talmud, segundo as treze regras e a conhecer os ca- minhos. 94-Mas, como me poderei conter, com a sua deserção, pois que é ela a causa do meu mal, da minha febre e da minha ruína-. 95-Aquela que me traspassa semelhante ao gla- dio dos meranarios, que fende o meu coração, não sendo uma navalha de barba.- 96-A que toca o meu coração emurchecido com a sua lâmina, que penetra até ao ventre e às entranhas. 97-A quem transmítirei pois os meus multiplos conhecimentos, a quem darei a beber o suco do meu lagar e da minha adega? 98-Quem se deleitará a provam-quando eu já não, existir- dos frutos da minha fé e dos meus escri- tos. 99-Quem saberia desenbaraçar-se na ciência oculta, nas obras monumentais de men pai e mestre? 100-Quem. tendo sêde, saberia sósinho tirar agora da nascente e nela se dessedentar durante a seca?
N.º 081, Tishri-Heshvan 5698 (Set-Out 1937)
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