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Ha-Lapid הלפיד


N.º 084, Nisan 5698 (Mar 1938)







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              HA-LAPID                5
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Palestra em nome dum delegado

Ainda a propósito da inauguraçnão da Sinagoga K. M. H.
 
Minhas Senhoras e Meus Senhores:

"Gostaria de possuir méritos de orador
para poder traduzir por palavras o meu esta-
do actual de alma, isto é, o meu pensar e o
meu sentir. Poderia também tornar agradá-
vel esta minha ligeira palestra que, assim,
apenas terá uma qualidade: ser sincera,
absolutamente sincera.

Falo a V. Ex.cias em nome do Snr. Al-
bino de Castro, decano dos maranos de
Freixo de Espada à Cinta (distrito de Bra-
gança), respeitável vélho que, a-pesar-dos
seus 80 anos, se desloca da fronteira até
aqui para ter o prazer de assistir a esta so-
lenidade.

Queria fazer compreender a V. Ex.cias
o que sente um marano que conhece um
pouco a religião dos seus antepassados, en-
trando num templo como êste e em tais
circunstâncias.

Seria necessário para isso, Minhas Se-
nhoras e Meus Senhores, desenrolar ante
vossos olhos a vida judaica, ou melhor, a
tragédia judaica-termos aqui quási sinóni-
mos-dos últimos séculos, isto é, desde que
os judeus residentes no nosso pais foram
"mar-anus" (convertidos à fôrça, amarga-
mente).

Tentemo-lo a-pesar de tudo.

               *
            *     *

Estava-se no século XVI, século histori-
camente formidável, formidável pelas ventu-
ras e desventuras que trouxe aos habitantes
de todos os países em geral e do nosso
querido Portugal em particular.

Foi neste século que as lusas Caravelas
Começaram audaciosamente a sulcar os ma-
res, a sondar os seus mistérios, a revelar a
existência de novos mundos, concorrendo
Para a expansão comercial, industrial e, di-
gamos mesmo, moral e intelectual do nosso
País. Abençoada por isso esta era.

Foi também neste século, e isso apaga
as saudades deixadas pelos outros aconteci-



mentos levando-nos a vê›lo negro como a
morte-se êle é a própria Morte!-que foi
instaurado no nosso país, no nosso Portugal
antes abençoado, o maior monstro que a
história regista, o mais malfadado dos tri-
bunais e, talvez porisso, o mais poderoso-
o Tribunal da Santa Inquisição.

Santa! disse eu; na realidade era assim
apelidada muito embora fôsse verdadeira-
mente infernal.

Efectivamente é impossivel compreender
que houvesse um Deus, um Deus que é nos-
so pai, Bom, Todo-Poderoso, Sumamente Mi-
sericordioso, a quem tão negregado Tribunal
agràdasse. Tal Deus, se existisse, deixaria de
o ser, embora isto pareça um paradoxo, pois
perderia estes mesmos atributos passando a
ser um génio do mal.

Mas, Minhas Senhoras e Meus Senhores,
não falemos nisso porque tal hipótese não
pode, não deve ser encarada.

Quer o Tribunal quer as suas obras são
da autoria dos homens, dos mortais. Porque
Deus diz: "Não quero que o pecador morra;
quero que se arrependa e viva." E isto con-
siderando já o povo judeu como um povo
pecador, -- "pecar é próprio dos homens".

Note-se, porém, que o princial pecado
de que o acusavam era o de adorar Deus
de uma maneira diferente deles.

Quanto ao resto nada havia a dizer dos
pobres judeus. Sempre serviram fielmente o
seu país com todos os meios ao seu dispôr,
sôbretudo intelectualmente, visto ser êste o
seu mais vasto campo de acção.

A sua influência na história portuguesa
é notável, mesmo nas descobertas através os
"mares nunca dantes navegados".

Acompanharam sempre os capitães das
naus como elementos de primeiro plano,
permitindo-lhes livremente dispôr do seu
talento poliglota, dos seus vastos conheci-
mentos de náutica, matemática, astronomia
e de terras orientais.

E, afinal, Minhas Senhoras e Meus Se-
nhores, qual a recompensa de tais serviços?


 
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