HA-LAPID 5 ======================================== Palestra em nome dum delegado Ainda a propósito da inauguraçnão da Sinagoga K. M. H. Minhas Senhoras e Meus Senhores: "Gostaria de possuir méritos de orador para poder traduzir por palavras o meu esta- do actual de alma, isto é, o meu pensar e o meu sentir. Poderia também tornar agradá- vel esta minha ligeira palestra que, assim, apenas terá uma qualidade: ser sincera, absolutamente sincera. Falo a V. Ex.cias em nome do Snr. Al- bino de Castro, decano dos maranos de Freixo de Espada à Cinta (distrito de Bra- gança), respeitável vélho que, a-pesar-dos seus 80 anos, se desloca da fronteira até aqui para ter o prazer de assistir a esta so- lenidade. Queria fazer compreender a V. Ex.cias o que sente um marano que conhece um pouco a religião dos seus antepassados, en- trando num templo como êste e em tais circunstâncias. Seria necessário para isso, Minhas Se- nhoras e Meus Senhores, desenrolar ante vossos olhos a vida judaica, ou melhor, a tragédia judaica-termos aqui quási sinóni- mos-dos últimos séculos, isto é, desde que os judeus residentes no nosso pais foram "mar-anus" (convertidos à fôrça, amarga- mente). Tentemo-lo a-pesar de tudo. * * * Estava-se no século XVI, século histori- camente formidável, formidável pelas ventu- ras e desventuras que trouxe aos habitantes de todos os países em geral e do nosso querido Portugal em particular. Foi neste século que as lusas Caravelas Começaram audaciosamente a sulcar os ma- res, a sondar os seus mistérios, a revelar a existência de novos mundos, concorrendo Para a expansão comercial, industrial e, di- gamos mesmo, moral e intelectual do nosso País. Abençoada por isso esta era. Foi também neste século, e isso apaga as saudades deixadas pelos outros aconteci- mentos levando-nos a vê›lo negro como a morte-se êle é a própria Morte!-que foi instaurado no nosso país, no nosso Portugal antes abençoado, o maior monstro que a história regista, o mais malfadado dos tri- bunais e, talvez porisso, o mais poderoso- o Tribunal da Santa Inquisição. Santa! disse eu; na realidade era assim apelidada muito embora fôsse verdadeira- mente infernal. Efectivamente é impossivel compreender que houvesse um Deus, um Deus que é nos- so pai, Bom, Todo-Poderoso, Sumamente Mi- sericordioso, a quem tão negregado Tribunal agràdasse. Tal Deus, se existisse, deixaria de o ser, embora isto pareça um paradoxo, pois perderia estes mesmos atributos passando a ser um génio do mal. Mas, Minhas Senhoras e Meus Senhores, não falemos nisso porque tal hipótese não pode, não deve ser encarada. Quer o Tribunal quer as suas obras são da autoria dos homens, dos mortais. Porque Deus diz: "Não quero que o pecador morra; quero que se arrependa e viva." E isto con- siderando já o povo judeu como um povo pecador, -- "pecar é próprio dos homens". Note-se, porém, que o princial pecado de que o acusavam era o de adorar Deus de uma maneira diferente deles. Quanto ao resto nada havia a dizer dos pobres judeus. Sempre serviram fielmente o seu país com todos os meios ao seu dispôr, sôbretudo intelectualmente, visto ser êste o seu mais vasto campo de acção. A sua influência na história portuguesa é notável, mesmo nas descobertas através os "mares nunca dantes navegados". Acompanharam sempre os capitães das naus como elementos de primeiro plano, permitindo-lhes livremente dispôr do seu talento poliglota, dos seus vastos conheci- mentos de náutica, matemática, astronomia e de terras orientais. E, afinal, Minhas Senhoras e Meus Se- nhores, qual a recompensa de tais serviços?
N.º 084, Nisan 5698 (Mar 1938)
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