6 HA-LAPID ============================================= Crear um tribunal para lhes dar caça como a perigosas feras - a êles cujo princi- pal pecado consistia em adorar um Deus Altíssimo, Uno Onnipotente, Espiritual e Eternal; encarcerá-los e infligir-lhes tôda a espécie de torturas e martírios; violentar-lhes as filhas e esposas depois de por todos os meios lhes fazer perder as fôrças nas mas- morras-porém, quantas preferiram provocar a morte esmagando a cabeça conta as pare- des, à falta de uma arma com que se podes- sem ferir, a entregar a sua honra a monstros como eram os esbirros! Acontecimentos formidáveis pela grande- za dramática estes! Suponham, Minhas Senhoras e Meus Senhores, o que sentirá um marano cioso dos seus antepassados e da sua história, cada vez que sobre esta corre a vista Sem dúvida há-de ver sempre os seus irmãos amarrados aos instrumentos de tortura, de- bater-se nos cárceres com tôda a espécie de agonias, caminhar lentamente para as fo- gueiras e sentir crepítar as chamas devora- doras dos corpos em que o sangue da sua raça circulava. Muitos dêles conseguiram fugir para o estrangeiro; outros, porém, foram obrigados à fôrça a adoptar o cristianismo; e as crianças atiradas brutalmente para as pias batismais. Aparentemente obtinham católicos e, sob pena de irem saborear o ardor das chamas, tinham em público de mostrar que o eram. A maioria refugiou-se nas montanhosas aldeias transmontanas e beirenses. Aí con- tinuaram a viver, exteriormente católicos e interiormente fieis ao credo mosaico, à reli- gião dos seus antepassados. E os anos foram-se arrastando, agrupan- do-se às dezenas e às centenas. Os maranos sempre da mesma maneira, lutando pela vida, indo por vezes à igreja, mas orando ao Deus de Moisés. A propósito, Minhas Senhoras e Meus Senhores, permitam-me que confirme estas minhas palavras com algumas orações co- lhidas no distrito de Bragança entre corre- ligionários que as não deixaram perder atra- vés os séculos e ainda hoje as pronunciam com fervor: Padre nosso: "Padre nosso um, padre nosso dois, padre nosso três... padre nosso dez; morra a lei de Cristo e viva a lei de Moisés." Ao entrar na igreja: "Nesta igreja entro, mas não adoro pau nem pedra; também não adoro pão nem vinho; venho unicamente adorar ao Deus de Moisés vivo." Louvor ao Senhor: "Quando ao mar chegámos, "Logo por Moisés chamàmos. "Moisés nos respondeu "Com uma voz muito dolorida: "Chamai pelo Deus de Israel "Que vós sereis socorridos. "Louvamos ao Nascente, "Louvamos ao poente; "Louvamos ao Deus de Israel "Para todo o sempre. "Oh grande Deus de Israel "Santo e justo e bendito. "O Vosso Santo Nome "No Monte Sinai está escrito. == Orações como estas, cheias de sincerida- de e grandeza, poderia ler um grande nú- mero se não receasse abusar demasiado da paciência dos que me escutam. * * * Ora, segundo a própria natureza, o ho- mem é sempre influenciado pelo meio e, por isso, pouco a pouco, os maranos come- çaram a assimilar-se aos católicos, perden- do algumas das suas tradições e costumes. Os anos foram-se acrescentando. Cêrca de cinco séculos são já passados-cinco sé- culos, Minhas Senhoras e Meus Senhores! Havia-se quási deixado de falar em judaismo. Mas a tradição nunca se chegou a perder por completo. Hoje existem ainda nas reconditas aldeias e, duma maneira geral, em todos os meios. Não falam em judaismo, é certo, mas oram ao Deus de Israel, têm práticas judaicas. Provam-no as orações que acabei de ler e, melhor, o vasto repositório de tradições re- centemente colhidas nas mais diversas loca- lidades registadas no jornal "Ha-Lapid" que há 11 anos publica a Comunidade Israelita
N.º 084, Nisan 5698 (Mar 1938)
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