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N.º 088, Heshvan 5699 (Out 1938)







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               HA-LAPID             7
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A Inquisição do Pôrto operando

(Da História do Estabelecimento da Inquisição em Portugal,
por Alexandre Herculano).

          (CONCLUSÃO)


O ódio do antigo Carmelita não se limi-
tava já aos que o tinham ofendido; era uma
guerra de morte a tôda a gente de raça
hebrea. Dirigindo-se a Mesão-Frio, cuja
população não excedia naquele tempo a
cento-e-trinta ou cento-e-quarenta habitantes,
ouviu só num dia, o depoimento de quási
trezentas testemunhas acerca dos cristãos-
novos da vila. E' fácil de imaginar como as
preguntas seriam feitas, como escritas as
respostas, e quantos ficaram culpados.

Em Vila-do-Conde e Azurara passaram-se
factos análogos. No Pórto havia nove indi-
viduos que tinham tomado o oficio de teste-
munhas contra o judaísmo, jurando em quási
todos os processos por parte da justiça. Entre
eles distinguia-se uma Catarina Rodrigues,
mulher pública da mais baixa esfera, que
se prostituia até a escravos. O escrivão do
tribunal, Jorge Freire, antigo recebedor de
certas rendas da mitra, e até então assaz
pobre, enriqueceu brevemente no novo ofício,
exemplo que não foi baldado para os outros
oficiais. Nada disto via o bispo, a nada
atendia, cego pelo rancor. A própria Cata-
rina Rodrigues achava nesse duro e terrivel
sacerdote favor e trato benévolo. Quando os
réus, a-pesar-de todas as dificuldades que
lhes punham à própria defesa, alcançavam
provar que as denúncias e depoimentos
dados contra eles eram penas caluniosas, e
não havia remédio senão soltá-los, os denun-
ciantes e testemunhas falsas ficavam im-
punes, e se algum dos agravados lhes movia
acção nos tribunais civis, era de novo
acusado e preso.

A parte moderada que o bispo tomava
na decisão das causas despertou o ciúme do
inquisidor Rodrigues; mas este ciúme, que
noutras circunstâncias poderia aproveitar aos
réus, tornara-se inútil pela situação relativa
dos dois membros do tribunal. Jorge Ro-
drigues, vélho e paralítico, posto que hábil
jurisconsulto, apenas opunha frouxa resis-
tencia ao fogoso carmelita, que, educado
num convento, não tivera ocasião de cursar
os estudos canónicos. Assim, as sentenças
em geral não representavam senão o voto
incompetente do prelado, e o inquisidor de-
legado, quando as achava injustas, limita-
va-se a recusar publica-las em audiencia, ou
a declarar no acto da publicação que o seu
voto fóra contrário, mas que tivera de ceder
à inflexibilidade de D. Fr. Baltazar.

O promotor da Inquisição, João de Avelar,
homem de costumes dissolutos, era, bem
como todos os outros ministros e agentes do
tribunal, criatura do bispo. Tinham-lhe con-
ciliado o favor deste a violencia do seu génio
e o profundo rancor que manifestava contra
os cristãos-novos. No exercício das suas
funções, João de Avelar não reprimia aquela,
nem ocultava este. Quando lhe apresenta-
vam um desses breves de protecção especial
que os cristãos-novos costumavam comprar
no mercado de Roma para se esquivarem às
atrocidades do tribunal da fé, protestava
logo contra ele, chegando a ponto de dizer,
escumando de raiva, que era mais fácil
deixar prostituir por el-rei uma filha sua, do
que reconhecer a validade de tais breves.
As audiências e julgamentos da Inquisição
do Porto davam campo a cenas não menos
apaixonadas da parte de D. Fr. Baltazar;
cenas que são fáceis de imaginar, lembran-
do-nos de que, como era natural, aqueles
que tinham suscitado a perseguição, re-
cusando dar as somas prometidas para a
nova igreja, não foram dos últimos a entra-
rem nos cárceres do Santo-Oficio.

Henrique Luiz, um deles, foi conde-
nado a dez anos de reclusão; mas o bispo
achou repugnancia nos seus colegas a irem
mais longe, e a condená-lo a vestir o sam-
benito. Venceu, por fim, declarando que, se
nisso havia injustiça, tomaria a responsabili-
dade dela perante Deus. Pode supor-se quão
acesa cólera deviam excitar no seu ânimo
as testemunhas favoráveis aos réus, sobre-
tudo quando os depoimentos eram precisos,
e não achava meio de os atenuar ou de fazer
titubear as testemunhas. Prorrompia não raro
em afrontas contra esses que assim ousavam
contrariar os seus intuitos. Os epítetos que
lhes dava de cãis, cuspir-lhes na cara, eram
amenidades a que Fr. Baltazar recorria às-


 
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