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N.º 088, Heshvan 5699 (Out 1938)







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 8             HA-LAPID
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-vezes para os conduzir ao silencio. Os abu-
sos dos ministros subalternos condizíam com
este ódio fanático do bispo, ao qual a ce- 
gueira da paixão levava quási à demencia.

Alguns oficiais honestos, a quem aquelas
demasias repugnavam, demitiam-se dos car-
gos, e por esse mesmo facto os agentes que
debaixo da capa do zelo encobriam as suas
ruins tenções mais facilmente podiam reali-
zá-las. O primeiro escrivão do tribunal ha-
via-se escusado por desgosto desta espécie,
mas o que lhe sucedera, membro como ele
do cabido, soubera amoldar-se melhor às
ideas do prelado.

O carcereiro e o guarda dos cárceres
também pertenciam ao bando dos zelosos.
Antigo criado de D. Fr. Baltazar Limpo, o
carcereiro escolhera um guarda que fosse
instrumento da própria maldade. De con-
ceito, os dois oprimiam por mil modos os
réus para lhes extorquiarem dinheiro e sub-
meterem-nos a todos os seus caprichos,
fazendo ao mesmo tempo acreditar ao bispo
que as suas mãos eram puras, e que só o
zelo os tornava rigorosos até à crueldade.
A carceragem de cada preso era de ordinário
uma ou duas dobras; mas quando a riqueza
verdadeira ou suposta, de alguns deles,
acendia a cubiça do carcereiro, a taxa subia,
às-vezes, a vinte. A sorte dos que não
podiam pagar era desgraçada. O guarda
completava por sua parte as extorsões do
carcereíro. Sem dinheiro não se abriam as
portas para os advogados e solicitadores
falarem aos presos, e nem sequer para
entrarem nas lôbregas masmorras as cousas
mais necessárias à vida. Posto que casado,
António Pires (era este o nome do cha-
veiro) parece que achava longas e tediosas
as horas passadas nos claustros inquisito-
riais. Havia ali duas cristãs-novas, mãi e
filha, julgadas já, e cuja sentença fora cár-
cere perpétua com o trajo chamado sambe-
nito. Estas mulheres estavam à merce de
António Pires, e palavras de um amor brutal
soaram, acaso pela primeira véz, naqueles
recessos humedecidos do suor de mil agonias.

A donzela foi deshonrada. Essa infeliz,
para quem na primavera dos anos tinham
deixado de existir as torrentes da luz do sol,
os aspectos do firmamento, os verdores dos
bosques e campinas, a alvorada e o crepús-
culo, o aroma e o matiz das flores; para
quem, ao passo que, por assim dizer, se lhe
afundira ante os olhos a natureza fisica, se

 

lhe haviam afundido também todas as espe-
ranças do mundo moral, e cuja vida de dila-
tados horizontes só ficara povoada por dois
sentimentos, o da perpetuidade do cárcere e
o das saüdades inúteis, devia ser bem des-
graçada! A masmorra era-lhe como pátria
adoptiva; o sambenito, vestidura e mortalha,
(Que pensamentos seriam os seus quando
prostituída, e tendo por testemunha da pros-
tituição um amor de mãi, a consciencia lhe
disse que descera ainda um degrau que pa-
recia não poder existir na escada das misé-
rias da vida? Em circunstâncias daquelas,
o coração humano ou estala, ou se abranda
à terrível grandeza de um coração de demónio.

Verificou-se o segundo fenómeno. A ví-
tima de António Pires chegou a gloriar-se
da deshonra, mostrando orgulho de trazer no
seio o fruto do torpe adultério. Eumenide
no meio das suas antigas companheiras, era
ela quem completava os tratos da polé e do
potro, quando os esbirros davam tréguas ao
martírio. A humilhação e as privações das
que eram infelizes sem serem infames como
que lhe refrigeravam o espírito. Os seus
caprichos eram lei. A' menor desobediência,
a vingança descia pronta; o feroz António
Pires distribuía com mão larga os maus tra-
tos e as injúrias, impedia a entrada dos ali-
mentos, e inventava quantas opressões lhe
sugeria o seu animo danado. Se acreditar-
mos as memórias dos cristãos-novos, estes
factos eram públicos no Porto. Não podia,
portanto, o bispo ignora-los, E D. Fr. Bal-
tazar Limpo, esse homem, que. poucos anos
depois, trovejava no Vaticano contra a imensa
corrupção de Roma; que fazia curvar a fronte
do Pontífiçe diante das ameaças proferidas
por ele em nome de Deus, tolerava os dra-
mas repugnantes que se passaram nos cala-
bouços da Inquisição, como se fossem uma
obra pia e digna de louvor. Exemplo tre-
mendo dos precipícios a que podem arras-
tar-nos as tres piores paixões humanas: o
fanatismo, a vingança e o orgulho insensato.



          OBRA DO RESGATE

Milah-No dia 6 de Novembro de 1938
12 de Hechvan de 5699), foi recebido na
liança de Abraham o marano Guilhermino
da Silva Ranito, de 19 anos de idade, natu-
ral da Covilhã; recebeu o nome de Samuel.
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ESTE NÚMERO FOI VISADO
PELA COMISSÃO DE CENSURA


 
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