HA-LAPID 3 ======================================== da lei em que nasceram, mas ainda assim os não deixavam viver quietamente, deno- gando-os, injuriando-os, abatendo-os e tra- tando-os com baixeza e desprêzo, e isto já o levaram em paciência, se não lhe levantaram aleives e falsos testemunhos para os destruir e arrancar do mundo, pregando os pregadores nos púlpitos, e dizendo os senhores em lugares públicos, e os cidadinos e vilões nas praças, que qualquer fome, peste ou terramoto que vinham à terra era por não serem bons cristãos: e que secretamente judaizavam; assim que alcançando alguns intrínsecos inimigos a vontade do povo quanto incli- nada estava em seu dano, acharam apare- lho para meterem em efeito seus maus ânimos, entre os quais houve dois frades dominicos, que sairam pela cidade de Lis- boa, com crucifixos às costas amotinando o povo, e clamando viessem todos em sua companhia vingar a morte do seu Deus, e com muitos preversos ociosos e gente mecânica que a êles se recolheram, com lanças e espadas nuas em suas mãos arre- metendo contra o fraco e desprovido povo dos mal baptizados e novos cristãos mata- ram quatro mil almas déles, roubando e usando tôdas aquelas crueldades que em um saque duma cidade se faz, atazalhando os homens, arremessando as criaturas às paredes e desmembrando-as, deshonrando as mulheres e corrompendo as virgens, e sôbre isso tirando-lhes a vida; houve mui- tas que prenhes as lançaram das janelas sobre as pontas das lanças que já em baixo as estavam esperando, e assim atalhavam o caminho às inocentes criaturas antes que arribassem ao mundo, onde o Céu piedoso as mandava; entre elas se achou uma que, esforçando-a a muita ira e sua honra, a um frade, que a queria forçar, matou com umas facas que o mesmo frade trazia. Se éste assim terrível mal durara na- quele ímpeto acabaram todos os novos cristãos, que na cidade de Lisboa habita- vam, mas provendo a misericórdia divina com as justiças da terra, que acudiram, e atrás disso El-Rei que, com diligência, veio a socorro da vila de Abrantes, onde se achava, cessou aquela matança temerosa." Estas tragédias da conversão forçada dos judeus portugueses e de massacres de cristãos-novos não deixaram vestígios nos arquivos portucalenses; talvez alguém mais feliz do que eu consiga encontrar algum documento. Estou, até prova em contrário, convencido que a gente laboriosa, rude, mas bondosa do Pôrto evitou todos os excessos. Encontrei a fôlhas 56 do Livra de Pro- visões (1500 a 1539) uma carta régia de D. Manuel, datada de 12 de Maio de 1506, em que diz ter em serviço não se fazer na cidade do Pôrto prisão sôbre os cristãos- -novos como se fêz em Lisboa. A fôlhas 146 do referido Livro de Pro- visões, do Arquivo Municipal do Pôrto, existe uma carta régia de D. João III ordenando que na cidade do Pôrto se favo- reçam os cristãos-novos. A carta é datada de 22 de Dezembro de 1521. Julgo que a conversão forçada dos judeus portuenses foi, pois, feita sem os sucessos trágicos lisbonenses. Os judeus abandonaram a judiaria do Olival e muitos foram-se estabelecer para a Ribeira por a isso serem forçados. No Livro 1.° das Próprias, do Arquivo Municipal do Pôrto, existe uma carta régia de 4 de Abril de 1534, onde diz que uns mercadores intentam ir para a rua de S. Miguel e El-Rei manda aos seus juizes que oiçam todos os pareceres dos oficiais da Câmara sôbre a mudança de todos os que estiverem arruados nela. Nessa carta se menciona pretenderem os mercadores algibebes. que vendiam roupa feita e usada, da rua de S. Miguel, a construção duma igreja, por aquela rua ser das mais povoa- das e nobres da cidade. Uma carta régia de D. joão III, exis- tente no Livro de Provisões já citado, a fôlhas 316, faz saber à cidade do Pôrto que proveu para bispo a D. Frei Baltazar Limpo. A carta é datada de 6 de Abril de 1537. Êste bispo foi solenemente recebido pela cidade, como se verifica por um do- cumento já publicado neste jornal. O Bispo do Pôrto, pouco depois de tomar posse da sua diocese, interessou-se para que a grande Sinagoga do Pôrto, sita à rua de S. Miguel, na parte dessa rua actualmente chamada de S. Bento da Vi- tória, fôsse transformada em igreja católica e empregou todos os meios ao seu alcance para esse fim. Por documentação apresentada já sabe-
N.º 097, Shevat-Adar 5700 (Jan-Fev 1940)
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