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N.º 097, Shevat-Adar 5700 (Jan-Fev 1940)







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ANTÓNIO GRANJO

No dia 19 de Outubro de 1921 foi
assassínado em Lisboa o Dr. António
Granjo, Presidente de Ministério, antigo
deputado e combatente da Grande Guerra,
tendo-se batido nas trincheiras da Flan-
dres, no front britânico, no posto de Alfe-
res de infantaria.

António Granjo era descendente de
judeus trasmontanos, da aldeia de Carção.
concelho de Vimioso, distrito de Bragança,
onde ainda existem parentes cripto-judeus,
que praticam certos ritos judaicos.

Era uma bela alma e um belo coração.

O jornal de Lisboa República publicou,
no dia 31 de Março de 1938, um artigo
editorial do qual publicamos alguns excer-
ptos, pela impossibilidade de o publicar
na integra, devido ao pouco espaço dêste
periódico:

António Granja morreu deixando um
rasto de saudade quási misteriosa: o mis-
tério que envolve as grandes figuras toca-
das pela dor. Era um bom e um valente.
Mataram-no sem se saber por quê-numa
onda de criminosa alucinação. A memória
disse homem é-nos particularmente grata.
E Granjo foi, até, noutra fase dêste jornal,
seu director. Queremos aqui arquivar a
dedicatória que lhe consagra Aquilino Ri-
beiro, no seu último livro sôbre a vida de
"Anastácio da Cunha, o lente penitenciado
de Coimbra".
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Porque assassinaram éste homem me-
dularmente bom? Se quiséssemos organi-
zar o corpo de delito, em profundidade,
para a história, debalde procurariamos o
facto negro, concreto e pessoal, dêstes que
logicamente são o germe ou raiz do crime.
Tanto na sua vida privada como pública,
agarrar-se-ia fumo. Nunca cometeu nem
deixou cometer exacções, violências ou abu-
sos de poder. Longe de ser um Rosas,
depois do recontro dava a mão ao inimigo.
Perdoava, é certo que sem cálculo nem
grandeza. E o seu pecado, mercê do qual
se perdeu, foi fechar os olhos à vaga de



interêsses inconfessáveis, de ambições des-
medidas, de paixões furiosas, que crescia
para o poder. Se éste é um pecado sem
remissão para quem detém o mando, pa-
gou-o caro; foi o republicano imolado à
tara comum; foi o bode expiatório, sem
proveito nem exemplo, de uma geração de
politicos passa-culpas, bêbados com o
triunfo pessoal, ensopados de "Direitos do
Homem" e de romantismo, sem noção das
responsabilidades que assumiam. A sua
morte foi perpetrada por uns títeres que
na véspera não sabiam que iam assassinar.
Suponha-se a mão hedionda de um de-
miurgo tirando ao acaso de uma chusma
de pobres diabos, esfomeados, analfabetos
e meio idiotas, como há cá pela terra:-
"Dente de Ouro", "Clarim do Carmo",
calha-vos a sorte... E os miseráveis,
moldados em sordidez, em aspiração abo-
minável e confusa, em fúria e selvajaria,
foram. O que espanta não é que a mão
horrenda encontrasse agentes para realizar
o atroz mandato. O "Dente de Ouro" e o
ignóbil "Clarim" que espetou o chanfalho
no "bandulho do porco" são compreensi-
veis, repetimos. Representam a supuração
da barbárie humana, para não dizer portu-
guesa, agitada e movida com arte. E matar
para êles foi o acto mais simples dêste
mundo. Além do frenesi que lhe haviam
insuflado, tinham atrás de si a impulsão
atávica. Vejam-na pobre, insatisfeita, mar-
tirizada, vitima do magnate e do mercador.
do rei e do fidalgo, do militar e do ecle-
siástico, do letrado e do juiz, de quem tem
rédea ou vara, e a planta humana é o que
para aí se vê, rasteira, débil, sem louvores
para a vida. Na hora turva, cada um está
apto a arvorar-se em vingador. Vingador
de qué e contra quem? Não sabe; não lhe
preguntem. Foi por isso que o assassínio
de Granjo pareceu mergulhado em inde-
vassável mistério. E mais claro nem uma
facada na Mouraria. Este "Dente de Ouro" 
é representativo. Não há nada que assom-
bre, pois, nestes facinoras empurrados por
aquela mesma mão que embaralhou as
cartas, jogou poeira ao ar, criou um
ambiente de crime, e cujos dedos foram o
politico sedento de poder, o industrial que
tinha veniaga a passar, os empreiteiros de


 
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