HA-LAPID 5 ===================================== ANTÓNIO GRANJO No dia 19 de Outubro de 1921 foi assassínado em Lisboa o Dr. António Granjo, Presidente de Ministério, antigo deputado e combatente da Grande Guerra, tendo-se batido nas trincheiras da Flan- dres, no front britânico, no posto de Alfe- res de infantaria. António Granjo era descendente de judeus trasmontanos, da aldeia de Carção. concelho de Vimioso, distrito de Bragança, onde ainda existem parentes cripto-judeus, que praticam certos ritos judaicos. Era uma bela alma e um belo coração. O jornal de Lisboa República publicou, no dia 31 de Março de 1938, um artigo editorial do qual publicamos alguns excer- ptos, pela impossibilidade de o publicar na integra, devido ao pouco espaço dêste periódico: António Granja morreu deixando um rasto de saudade quási misteriosa: o mis- tério que envolve as grandes figuras toca- das pela dor. Era um bom e um valente. Mataram-no sem se saber por quê-numa onda de criminosa alucinação. A memória disse homem é-nos particularmente grata. E Granjo foi, até, noutra fase dêste jornal, seu director. Queremos aqui arquivar a dedicatória que lhe consagra Aquilino Ri- beiro, no seu último livro sôbre a vida de "Anastácio da Cunha, o lente penitenciado de Coimbra". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Porque assassinaram éste homem me- dularmente bom? Se quiséssemos organi- zar o corpo de delito, em profundidade, para a história, debalde procurariamos o facto negro, concreto e pessoal, dêstes que logicamente são o germe ou raiz do crime. Tanto na sua vida privada como pública, agarrar-se-ia fumo. Nunca cometeu nem deixou cometer exacções, violências ou abu- sos de poder. Longe de ser um Rosas, depois do recontro dava a mão ao inimigo. Perdoava, é certo que sem cálculo nem grandeza. E o seu pecado, mercê do qual se perdeu, foi fechar os olhos à vaga de interêsses inconfessáveis, de ambições des- medidas, de paixões furiosas, que crescia para o poder. Se éste é um pecado sem remissão para quem detém o mando, pa- gou-o caro; foi o republicano imolado à tara comum; foi o bode expiatório, sem proveito nem exemplo, de uma geração de politicos passa-culpas, bêbados com o triunfo pessoal, ensopados de "Direitos do Homem" e de romantismo, sem noção das responsabilidades que assumiam. A sua morte foi perpetrada por uns títeres que na véspera não sabiam que iam assassinar. Suponha-se a mão hedionda de um de- miurgo tirando ao acaso de uma chusma de pobres diabos, esfomeados, analfabetos e meio idiotas, como há cá pela terra:- "Dente de Ouro", "Clarim do Carmo", calha-vos a sorte... E os miseráveis, moldados em sordidez, em aspiração abo- minável e confusa, em fúria e selvajaria, foram. O que espanta não é que a mão horrenda encontrasse agentes para realizar o atroz mandato. O "Dente de Ouro" e o ignóbil "Clarim" que espetou o chanfalho no "bandulho do porco" são compreensi- veis, repetimos. Representam a supuração da barbárie humana, para não dizer portu- guesa, agitada e movida com arte. E matar para êles foi o acto mais simples dêste mundo. Além do frenesi que lhe haviam insuflado, tinham atrás de si a impulsão atávica. Vejam-na pobre, insatisfeita, mar- tirizada, vitima do magnate e do mercador. do rei e do fidalgo, do militar e do ecle- siástico, do letrado e do juiz, de quem tem rédea ou vara, e a planta humana é o que para aí se vê, rasteira, débil, sem louvores para a vida. Na hora turva, cada um está apto a arvorar-se em vingador. Vingador de qué e contra quem? Não sabe; não lhe preguntem. Foi por isso que o assassínio de Granjo pareceu mergulhado em inde- vassável mistério. E mais claro nem uma facada na Mouraria. Este "Dente de Ouro" é representativo. Não há nada que assom- bre, pois, nestes facinoras empurrados por aquela mesma mão que embaralhou as cartas, jogou poeira ao ar, criou um ambiente de crime, e cujos dedos foram o politico sedento de poder, o industrial que tinha veniaga a passar, os empreiteiros de
N.º 097, Shevat-Adar 5700 (Jan-Fev 1940)
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