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N.º 097, Shevat-Adar 5700 (Jan-Fev 1940)







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 6            HA-LAPID
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sarrafusca, o incorrigivel partidário do
Sr. D. Manuel ou do Sr. D. Duarte Nuno,
e não se sabe que entidade subtil, salitrosa,
que não deixa rasto, Providência do Mal
dentro das pequenas democracias atontadas
e petroleiras.

O que assombra é que depois da qua-
rentena a que o Presidente do Conselho se
submeteu durante todo o dia, as autorida-
des da véspera ou autoridades recém-inves-
tidas, os oficiais da coniura ou os oficiais
neutros, os politicos que chegavam ao
galarim e os que nunca perderam a posição,
cabecilhas ou mandões, não roubassem um
minuto à intendência, à neutralidade, à
cobardia, ao gaudio do triunfo, e deixassem
matar aquêle homem como um viandante
numa estrada deserta, sem ninguém lhe
acudir! Àparte Cunha Leal, que vemos
debater-se impotente e afogado na maré
de loucura, trepidando de desespero heróico.
os outros escondem-se, somem-se, esguei-
ram-se, passam à sucapa, relampeiam ao
longe, chegam tarde. Ratazanas, vermes,
sombras, espectros. Êsses oficiais de ma-
rinha, todos ou quási todos, onde se mete-
ram? Não acabam de saír das alfurjas os
revolucionários civis? Os colegas, ontem
tão poderosos, não têm modo de chamá-lo
para o seu abrigo? Ninguém de pêso e
de rasgo pega daquele homem e o leva
quer da Avenida Miguel Bombarda, quer
do Arsenal, o oratório de condenado à
morte do Arsenal. Porque se esvaem,
nunca mais vêm, não querem saber, ante-
põem outros cuidados, ou chegam tarde e
a más horas...? Por isto. porque não há
uma direcção em Portugal. Há uma classe
dirigente, mas bizantina. Na hora de crise,
mentores, chefes, capitaneadores fundem-se
na multidão gregária de que são reses.

O drama e tecido com tôdas estas fata-
lidades. Na nossa pobre vida humana,
dentro do curso que nos leva, cada um é
responsável pelo modo como braceía, sem
dúvida; as reacções do indivíduo há, porém,
que observa-las dentro do corpo social para
compreende-las. A tragédia de 1921 fêz
patentear a falta de alma na sociedade por-
tuguesa, que é como a luz numa casa.
Como se explicaria. não sendo assim éste
matar as-cegas?

António Granjo, soldado garboso da
Flandres e de Trás-os-Montes, amassador
de ideal, devoto da liberdade. homem de



bem e de boa fé, desprovido de inveja;
e de rancores, que sabia ler nos olhos do
seu amigo, aparece nos meus sonhos
imenso, Polvoroso, ensangüentado. Creio
que e pecha comum em certa altura da
vida começar-se a ter horror da acção e
invencível tendência para sonhar. Sonhar,
acordado que é uma forma de catalepsia
espiritual. O pensamento à solta vai por
estranhas veredas até regiões absurdas em
que, ao dar-se conta, acabamos por nos
sentir entontecidos quando não escanda-
lizados.

Senão a tôda a gente, a mim sucede-me
sonhar assim. Nesses sonhos ocupa-se-me
o entendimento com cousas que podiam
ter sido e não foram por um triz, com o
desvio que o deslize fluvial da existência
sofreu desta ou daquela nonada, com os
pecados vélhos, com os sêres que me foram
queridos e já não são dêste mundo. E veio-
-me muitas vezes, como o divino Laércída,
descer pela "avenida dos altos ciprestés
e salgueiros bravos à mansão escura de
Aides". E também avança para mim,
condensando-se sua sombra vaporosa na
neblina baça, a multidão dos defuntos.
Vem primeiro meu pai, com branco sorriso
no rosto amaciado e lágrimas amantfssimas
nos olhos; logo após, uma face ebúrnea de
amada: a velha tia que me contava histo-
rias de pasmar e que deu protoplasma à
minha psique de escritor. Depois outras
figuras de segundo plano díscorrem filmà-
ticamente na minha retina subjectiva.
E entre elas eis que avança, carão largo,
leal, género do marchante cuja palavra era
ouro, António Granjo. Falam-me e eu
ouço-lhes as vozes aladas, circunstanciais,
de uma suavidade de cetim, que não fazem
mais ruido que pétalas de rosa desfolhan-
do-se da roseira para o relvedo. E Antó-
nio Granjo chora sôbre si e nós todos.
Ao pobre grande homem, pelo que foi.
pela morte que padeceu, pelo juizo recta
que lhe mereci, quero consagrar éste mo-
desto livro em que perpassa outra figura
do povo, grande, trágica, e batida pela
flama que jamais se apaga.

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ESTE NUMERO FOI VISADO
PELA COMISÃO DE CENSURA


 
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