HA-LAPID 3 ========================================= de soldados muçulmanos e cristãos e partiu para a África (531 da Hegira e 1137 ou principios de 1138 da era vulgar). A Espanha muçulmana, privada das suas melhores tropas, ficara, pode dizer-se, des- guarnecida. Os governadores dos castelos e das cidades, sempre predispostos à rebe- lião passavam a proceder como senhores independentes. Os árabes davam o nome de Andaluz à península Hispânica, e à sua parte ocidental o de Algarve, que significa Ocidente. Os autores judeus designavam pelo nome sepharad a parte da Península ocupada pelos mouros; e pelo de Edom a parte ocupada pelos cristãos. O Algarve dividia-se em três provincias: a de Balata com as cidades de Santarém. Sintra e de Lisboa: a de Alcácer com as cidades de Alcácer, Évora, Badajoz, Xerez, Mérida, Alcântara e Cória; e a de Alcunu com as cidades de Faro, Mértola e Silves. Este nome de Alcunu é o antigo nome de Cuneus dado pelos geógrafos gregos e latinos à região habitada pelos cunetes ou cynetes. e adoptada pelos mouros. A ambição dos emires, as dissenções interiores e a guerra civil tinham acabado por fraccionar o grande império hispano- -muçulmano numa quantidade de pequenos estados, após o fim dos últimos Omeyadas. Os historiadores árabes chamam a estes tempos a época dos rasgamentos. O quadro, que do estado das cousas públicas naquele tempo nos deixaram os escritores árabes, ou contemporâneos ou mais próximos, é, na verdade, lastimoso. A ruina do país, aos olhos das pessoas prudentes, parecia inevitável; porque a decadência moral era extrema. Os homens de probidade e ciência viviam desprezados e esquecidos, e os que se apoderavam das magistraturas públicas ajuntavam à cobiça e ao orgulho completa incapacidade. No meio de guerras civis, feitas sem entusiasmo, sem glória e só por causas abjectas, ao Passo que a agricultura se definhava e as artes esmoreciam, o povo deixava aos ambi- ciosos tratarem das armas, e os homens de guerra habituavam-se a combater mais com os enrêdos, do que com o ferro. A paz desaparecera completamente, e ninguém Podia contar com a própria segurança. Corria-se evidentemente para a dissolução da sociedade através das discórdias intesti- nas, e por assim dizer, no país de Andaluz eram já tantos os potentados, quantas as povoações que havia nêles. A guerra civil de fundamento religioso era quási, pode dizer-se, o regime normal das populações muçulmanas. Emquanto no Norte de África almóadas e almorávidas se batiam com furor, desde que Texufin, em 1137, correra a socorrer seu pai o Emir Aly, senhor da Mauritânia e Andaluzia, que se achava em situação deses- perada, em Espanha houve uma série inin- terrupta de rebeliões provinciais, em que os rebeldes aproveitavam as circunstâncias para se proclamarem independentes. Afirmam os historiadores árabes, que o primeiro a sublevar-se no Andaluz foi Ibn- -Caci, o mais famoso de todos os rebeldes. Hamed ibn Husein ibn-Caci, também chamado Abul Kassím Rumi, era um moçá- rabe, natural de Silves, que havia abando- nado a religião de seus pais, convertendo-se ao islam e adoptando a doutrina de Algazali. a mesma que inspirara o mahdi dos almóadas. Um escritor árabe, ibn-Al-Catibe, diz-nos que ibn-Caci, na mocidade, ainda em vida de seus pais, vivera com prodigalidade, "até que a luz da verdade o iluminou, e então deu em esmolas os seus bens e foi pelo Andaluz em peregrinação santa. Foi êle que edificou um mosteiro numa alcaria importante, no têrmo de Silves; nêle se reüniam os seus partidários, que foram para o país uma fonte de desgraças". "Êle quis ter o império e chamou-se Madi. As suas mentiras foram muitas: assim, que êle tinha feito a peregrinação a Meca durante uma noite; que transmitia mentalmente o pensamento que queria; que gastava dinheiro do tesouro de Deus. Quando andava em peregrinação, a gente corria para êle, e uma multidão de eremitas e de gente de guerra tomou o seu partido." Ibn-Caci apresentando-se como Mahdi (chefe messiânico, dirigido por Deus, que, segundo a crença muçulmana, havia de trazer a felicidade aos homens e fazer triunfar a verdade e justiça) fizera-se chefe da seita dos muridas (aquéles que conhe- cem a vontade de Deus). Perseguido pelos almorávidas oculta-se e continua com a sua acção expansiva, aproveitando-se das agitações que convul- cionavam o país. (Continua).
N.º 099, Sivan-Tamuz 5700 (Mai-Jun 1940)
> P03