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N.º 149, Shevat-Elul 5711 (Jan-Ago 1951)







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     A MATANÇA DOS CRISTÃOS-NOVOS

      (19-20-21 DE ABRIL DE 1506)

"Também em Lisboa se amotinou por
esse tempo o vulgacho; e tal foi o desatino
e fúria ali erguida, que a pique estiveram
os judeus todos, recentemente (como disse-
mos) convertidos, de indignamente perece-
rem. O caso sucedeu assim: Tinham pouco
antes chegado a Lisboa muitos navios mer-
cantes da Bélgica francesa e da Alemanha,
e a cidade se achava mui nua de burgueses,
por se terem dela retirado em razão do
contágio; muitos dos que, todavia, tinham
ficado se juntaram, em 19 de Abril, na
Igreja de S. Domingos para os ofícios
divinos. Há na igreja, da parte esquerda,
uma capela com a invocação do Senhor
Jesus, mui devota e mui frequentada pelo
entranhável acatamento dos fiéis. Assenta
sobre o respaldo do altar um crucifixo, em
cuja chaga do lado engasta um cristal, que
a cobre; e ora como pusessem nela os
olhos muitas pessoas, e com eles a imagi-
nação, e vissem sair dela um luzeiro, entra-
ram a bradar grande milagre!, pois a
Divindade Celeste se representava ali com
tais pasmosos sinais. Um daqueles hebreus,
que pouco havia se alistaram nas bandeiras
do baptismo, negava a altos gritos haver
milagre: que nem num lenho seco cabia
poder faze-lo. E bem que muita gente
duvidasse do milagre, nunca convinha em
tal ocasião nem a tal sujeito empregar suas
palavras e afinco em desmaginar um judeu,
a gente que tão encarnado tinha nos senti-
dos semelhante ilusão.

A multidão, que naturalmente é dessi-
suda e assomada, eivada agora com vis-
lumbres de religião, entrou a bramar de
ouvir um cristão denegar crédito a um
milagre. Tratam-no de aleivoso e malvado
judeu, traidor à fé, cruel e desorado inimigo,
digníssimo de todos os tormentos e da
morte. Foram crescendo sobre ele os vitu-
périos de toda a parte; e tanto se escandece
a cólera naquela mó de povo, que arreme-
tem com o homem, travam-lhe dos cabelos,
levam-no de restos, e atormentando-o até
o rossio, que espairece o convento, e ali
cruelissimamente morto o despedaçam;

 

erguem de súbito uma fogueira, onde arre-
messam os troços do cadáver.

Acorreu a tal motim toda a gentalha, à
qual um frade fez uma pregação acomo-
dada a despertar vinganças de religião.
Com a mui azeda exortatória a multidão,
que de seu natural toma súbito furor, dis-
parou em veemente feridade. Tinham já
dois frades alçado um crucifixo, e empu-
xado a plebe com altos gritos a matanças;
e alternando como em choro, bradavam:
Heresia! Heresia! Dai cabo dela que é
maldita; extiagui esta gente abominável.
Pojam em terra, vindos das naus, franceses
e alemães, e se entremeiam com os lusita-
nos já cevados na despiedosa chacina.
Consta que computavam a 500 homens os
que empreenderam o facinorosíssimo des-
troço. Atravessados de ruindade e desatino,
se arremessam a investir ferina e bruta-
mente com os miseros judeus: degolam,
apunhalam, e ainda palpitantes e com vida
os arrojam nas labaredas. Que naquele
mesmo rossio, em que o primeiro ardera
pelo agravo que sentira o povo dele, ron-
cavam ia para tais cruezas amiudados
incêndios, porquanto com muito regozijo
e, pressa escravos e gente do mais vil jaez
acarretavam lenhas, a que não desfalecem
chamas para a perfeição de tamanho des-
mandamento. Quebrariam corações de bra-
vias gentes os prantos lamentosos das mu-
lheres, magoadíssimas suplicas dos homens
e os maviosíssimos clamores tão gerais.
Mas tão despidos andavam de humano os
perdoar nem a idade nem a sexo, com
antolhos para tais resguardos, algozavam
por maneira que 500 pessoas dos hebreus.
E como o boato daquela carnificina se
espalhasse no dia seguinte pelas aldeias do
termo, vieram delas mais de mil facino-
rosos verdugos agregar-se ao bando dos
malfeitores da cidade: com o que refrescou
a morte e justiças. E em razão de toda a
familia judaica se ter, de temerosos, escon-
dido em casa, lhes arrombavam as portas
e entravam dentro a degolar, como carni-
ceiros, homens e mulheres e as donzelas


 
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