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N.º 149, Shevat-Elul 5711 (Jan-Ago 1951)







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              HA-LAPID               3
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mesmas, esmigalhando contra as paredes
as criancinhas, tirando, pelos pés uns mor-
tos, outros expirando, para os lançarem
nas fogueiras; e muitos mesmos cortados
somente de feridas, consumiam nelas vi-
vos. Tal embaçamento se apoderou então
daquela misérrima gente e de seus sentidos,
que nem lamentar seus mortos conseguiam,
nem deplorar seus infortúnios. Os homi-
ziados nem soltar ousavam uma só voz,
despedir um só gemido, ao ver arrebatar-
-se-lhes os filhos. os parentes para o su-
plicio. Tanto os desmaiara o susto, que
dos mortos dessemelhavam os vivos! Sa-
queavam-lhes, no entanto, as casas os desal-
mados, e punham em montes ouro, prata e
preciosos móveis. E se naquele dia não
morreram mor quantidade, foi pela ânsia
que se davam os franceses em roubar e
acarretar a presa para os seus navios.
Chegou a tal ponto a fúria daqueles sacri-
legos, que devassavam os templos sem
respeito alguns a Deus, e deles arrancavam
os velhos, os meninos e donzelas que aos
altares se acolheram, que com as imagens
dos santos se abraçavam e que piedosa-
mente imploravam o amparo de jesus
Cristo: logo ali brutamente lhes davam
morte, ou vivos ao fogo os arroíavam.
Muitos, que só pela cara ou qualquer outra
parecença jizavam pelo judaismo, corre-
ram risco de morte, e outros a padeceram
por esse único pressuposto; e ainda vários,
antes de lhes averiguarem se tinham com
os hebreus conexão alguma, foram com
pancadas e com golpes desfigurados. Mui-
tos encontrando com inimigos seus e ape-
lidando-os de Judeus, em seu sangue enso-
pavam as ferinas espadas, sem lhes dar
azo a refutarem o falso aleive. Não tinham
os magistrados afoiteza tal, que ousassem
atalhar o furor da multidão. Houve, con-
tudo, honestos cidadãos que abrigaram,
que defenderam os judeus que a eles se
amparavam, subtraindo-os a mortes crue-
líssimas e pondo-os em seguro. Morreram
todavia além de mil, em tal estrago; e já
tornavam no dia seguinte os malfeitores
desatinados a renovar a carniçaria; mas
não achavam a quem matassem: que
quase quantos tocavam à gente hebreia
se tinham posto em cobro, fugidos uns
e encobertos outros em casa de pessoas
piedosas. Fizeram contudo algumas jus-
tiças das costumadas. Em tudo morre-

 

ram nos três dias ao redor de dous mil
judeus.

Sobre tarde entraram na cidade, acom-
panhados de soldadesca, dous fidalgos mui
ilustres, Aires da Silva e Alvaro de Castro,
regedores da Casa da Suplicação e Desem-
bargo, e com a sua vinda acalmou o des-
troço. Porquanto, franceses e alemães com
sobejo saque se recolheram logo a seus
bordos; e dando à vela, fugiam para suas
terras a todo o curso. Logo que D. Ma-
nuel ouviu a nova de tão insignes desacor-
dos, ateou-se-lhe tão violenta cólera que
despachou súbito a Diogo de Almeida e a
Diogo Lobo com suprema alçada a Lisboa,
e que dessem a execrandos feitos exemplar
castigo. Grão número de culpados paga-
ram com as vidas a pena de seu desatino
e crueldade; e os frades que arvoraram o
crucifixo e encomendaram tais ferezas-
degradados antes com muita solenidade
de suas ordens, pois eram sacerdotes-os
enforcaram e queimaram.

Os que foram lentos em comprimir a
fúria popular foram uns multados em di-
nheiro, outros em honras; e a cidade des-
talcada em muitas prerrogativas.

(Da vida e feitos de El-Rei D. Manuel,
por D. Jerónimo Osório).

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             Ingratidão 

"Se serves uma causa, receia mais a
ingratidão de teus companheiros do que
as investidas de teus inimigos.

Os primeiros nunca reconherão teres
contribuído com o melhor do teu esforço
em proveito comum; esperam sempre
mais e à menor desconfiança, serão, talvez.
capazes de dizer que nada fizeste de útil.
Mesmo que teu trabalho esteja bem visí-
vel, dirão, até, que foste um empecilho e
aniquilaste os seus sonhos. Os teus ini-
migos, entretanto, serão apenas o que
são. Não poderão ser ingratos porque te
odeiam. No seu ódio está a justificação
do teu valor, de teus sonhos, de tuas rea-
lizaçõesr.

De A Gueto do sul-líontuo. 16 do setembro
de 1951.


 
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