2 HA-LAPID ========================================== VIDA LITERÁRIA JOSÉ DE ESAGUY HISTORIADOR E POETA Em todas as épocas tem havido, em Portugal, grandes e ilustres escritores que sempre souberam amar e honrar a sua pátria, oferecendo-lhe generosamente tudo quanto havia de melhor em si próprios: o seu talento, o seu génio. Folheando, ao acaso, a nossa História da Literatura, nós sentimos orgulho e consolação por nela encontrarmos tantos portugueses que se tornaram célebres pelas suas obras e que, com elas, engrandeceram também o pequeno pais a que perten- ciam. Embora nem todos atingissem a cele- bridade de Camões, Bocage, Bernardim, António Vieira, Antero, Junqueiro, João de Deus, e tantos outros; embora muitos desses escritores não tivessem sido tão geniais, a todos devemos estar gratos, porque todos eles deram a Portugal aquilo que souberam e puderam dar e todos o fizeram com o mesmo carinho, com o mesmo amor, com a mesma dedicação. Por isso, os mais modestos, os mais apagados, não devem ser esquecidos nem devem deixar de merecer a nossa simpatia e o nosso reconhecimento. Entre todos estes escritores, encontra- mos também alguns que eram judeus ou, talvez mais justamente, portugueses de religião hebraica, pois eram tão amigos da sua pátria como os outros e se alguma diferença havia entre eles, era moti- vada, simplesmente, pela religião e nada mais. A verdade é que, católicos ou judeus, protestantes ou ateus, todos são filhos do mesmo Deus e da mesma Pátria, todos estão unidos pelo mesmo amor à terra em que nasceram e a todos vemos, através da História, desde Alonso Henriques, lutando lado a lado e morrendo, heróicamente, pela independência e glória da Nação. Não há, pois, nenhuma justificação pos- sível para a diferença que certas pessoas ainda pretendem fazer, entre portugueses e portugueses judeus. E' absolutamente absurda. Estas palavras vêm a propósito de um livrinho de versos, de José de Esaguy, que acabei de ler agora. José de Esaguy é um nome bastante conhecido, entre nós, como bom e ilustre português e como o maior historiador do que foi o esforço lusitano em Mar- rocos. Os admiráveis livros: "A vida do In- fante Santo", "Relato inédito sobre o desem- barque de El-Rei D. Sebastião em Tânger", "O minuto vitorioso de Alcácer Quibir", "Alcácer Quibir, 1578", "O Livro Grande de Sampayo", com centenas de documen- tos inéditos e interessantissimos sobre Ceuta, e "Marrocos", monumental, histó- rico e artístico, obra magnífica em 12 tomos, e ainda outros livros sobre a nossa História, em Marrocos, chegam bem para que o seu nome seja sempre lembrado por todos os portugueses. Mas Jose de Esaguy-que foi também chanceler do nosso consulado em Tânger -não se limitou a escrever os seus pre- ciosos livros. Levou o seu patriotismo mais longe ainda: por sua Iniciativa, fize- ram-se escavações nos campos tristes de Alcácer Quibir-onde ficou sepultada a nossa melhor mocidade dessa época e onde, tão trágicamente, se perdeu o jovem Rei- -Sonhador, perdendo-se com ele a nossa própria independência- para encontrar as ossadas desses heróis portugueses e trazê- -las, carinhosamente, para a terra querida que tanto amaram e tanto quiseram en- grandecer. Este piedoso gesto, talvez mais ainda do que toda a sua admirável obra, revela bem como era verdadeiramente português o coração de José de Esaguy!
N.º 152, Shevat-Yiar 5714 (Jan-Abr 1954)
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