HA-LAPID 3 ======================================== E tão portugués que não podia deixar de ser, também, poeta... Nos seus primeiros livros: "Oração à Pátria" e "Adeus", afirma-se já como poeta de apreciáveis qualidades. As suas poesias, duma profunda tristeza -uma tristeza muito irmã da de António Nobre e, algumas vezes, de José Duro- têm beleza e ritmo. Aos dezanove anos, não seria possivel fazer melhor. Já nessa época e apesar da sua juven- tude, passa por todo o livro, dolorosa- mente, a sombra da morte, da morte que o poeta pressentia que em breve o viria buscar: "Olha, mamã, quando eu morrer, no outono, Irás à minha campa adormecida, Para embalares o berço do meu sono: Lançar-me as flores que eu adorei em vida." A sua poesia "Alma", é uma das mais belas : "Diz-me para onde partes, Aonde vais repousar ? Tu não tens manhas e artes P'ra a este mundo voltar?... Tu não tens, bem sei, minh'alma, Nem forças p'ra regressar... Tu és mais leve que a palma E menos densa que o ar... Como o corpo, tn não sentes?... O' alma tn partirás Para os corpos dontras gentes?... Servir alguém, tu não vás!" E' pena não podermos transcrever a poesia completa, mas falta-nos o espaço, Não resistimos, porém, ao desejo de trans- crever um bocadinho desta, tão gentil: "Flor cativante e amiga, Deus te bendiga, E o mesmo para mim o teu amor. Tantas lágrimas. tantos prantos. Para que servem. flor? Olha, criança linda, Espera ainda Que a minha vida torne a florescer... Com prautos que tn lhe deste E com o teu viver!” Mas, olha que um cipreste, Trístonho e agreste. A sua negra sombra me quer dar ! E eu tenho dó de ti. criança, Por não te ver e amar. E ainda este pedacinho de "Ao surgir da Primavera". "Florescem rosas e boninas Tão pequeninas, Tão pequeninas e gentis. Em tudo surge a Primavera... Ai quem me dera Sentir a esperança que sentis... Era assim. em 1919. a poesia de José de Esaguy. Triste e delicada. Neste seu livro póstumo, "Versos", publicado lá este ano; há também poesias de melancólica beleza: "Lá, nessa pedra fria de desgosto, Onde meteram todos os teus sonhos, Não tenhas pena deste Sol de Agosto - Porque os sonhos da vida são medonhos." E este fragmento de uma das suas últi- mas poesias, escrita em Tánger em 1941. em que se confunde o historiador com o poeta: "Nem António de Faria Dos túmulos de prata: Nem mesmo a fantasia De Fernão Mendes Pinto; Nem todo o labirinto Da perda d'Azamor; Nem o mistério dos Paços. Podem suprir alguma vez No meu espirito de português Um dos abraços dos teus braços. Na tua ausência Isto parece O anti-Atlas Do Saara da Vida... Só o volume das águas Faz meditar os ausentes... Tristezas de Portugal Aumentam as minhas mágoas... Ah! se eu pudesse Seria Corte Real E unia os continentes!" Fecha o livro esta poesia, tão pequenina e tão amargamente humana e real : "Ás vezes sofro e penso, sem querer... E, nesta luta imensa de viver, Nada ha que desvie a minha sorte. Não pôde o meu destino desfazer. E tanto medo tenho de morrer... E tantas vezes peço a Deus a morte." E a morte, que sentimos pairar sobre quase todas as poesias. levou para sempre José de Esaguy no dia 15 de Fevereiro
N.º 152, Shevat-Yiar 5714 (Jan-Abr 1954)
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