N.º 152, Shevat-Yiar 5714 (Jan-Abr 1954) > P03
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página

Ha-Lapid הלפיד


N.º 152, Shevat-Yiar 5714 (Jan-Abr 1954)







fechar




               HA-LAPID               3
========================================

E tão portugués que não podia deixar
de ser, também, poeta...

Nos seus primeiros livros: "Oração à
Pátria" e "Adeus", afirma-se já como poeta
de apreciáveis qualidades.

As suas poesias, duma profunda tristeza
-uma tristeza muito irmã da de António
Nobre e, algumas vezes, de José Duro-
têm beleza e ritmo. Aos dezanove anos,
não seria possivel fazer melhor.

Já nessa época e apesar da sua juven-
tude, passa por todo o livro, dolorosa-
mente, a sombra da morte, da morte que o
poeta pressentia que em breve o viria
buscar:

 "Olha, mamã, quando eu morrer, no outono,
 Irás à minha campa adormecida, 
 Para embalares o berço do meu sono:
 Lançar-me as flores que eu adorei em vida."

A sua poesia "Alma", é uma das mais
belas :

 "Diz-me para onde partes, 
 Aonde vais repousar ?  
 Tu não tens manhas e artes 
 P'ra a este mundo voltar?...
 Tu não tens, bem sei, minh'alma,
 Nem forças p'ra regressar...  
 Tu és mais leve que a palma 
 E menos densa que o ar...  
 Como o corpo, tn não sentes?...
 O' alma tn partirás 
 Para os corpos dontras gentes?...
 Servir alguém, tu não vás!"

E' pena não podermos transcrever a
poesia completa, mas falta-nos o espaço,
Não resistimos, porém, ao desejo de trans-
crever um bocadinho desta, tão gentil:

 "Flor cativante e amiga,
 Deus te bendiga, 
 E o mesmo para mim o teu amor.  
 Tantas lágrimas. tantos prantos.
 Para que servem. flor?

 Olha, criança linda,
 Espera ainda
 Que a minha vida torne a florescer...
 Com prautos que tn lhe deste
 E com o teu viver!”

 Mas, olha que um cipreste,
 Trístonho e agreste.  
 A sua negra sombra me quer dar !  
 E eu tenho dó de ti. criança,
 Por não te ver e amar.

E ainda este pedacinho de "Ao surgir
da Primavera".

 "Florescem rosas e boninas
 Tão pequeninas,
 Tão pequeninas e gentis.
 Em tudo surge a Primavera...
 Ai quem me dera
 Sentir a esperança que sentis...

Era assim. em 1919. a poesia de José de
Esaguy. Triste e delicada.

Neste seu livro póstumo, "Versos",
publicado lá este ano; há também poesias
de melancólica beleza:

 "Lá, nessa pedra fria de desgosto, 
 Onde meteram todos os teus sonhos, 
 Não tenhas pena deste Sol de Agosto -
 Porque os sonhos da vida são medonhos."

E este fragmento de uma das suas últi-
mas poesias, escrita em Tánger em 1941.
em que se confunde o historiador com o
poeta:

 "Nem António de Faria 
 Dos túmulos de prata: 
 Nem mesmo a fantasia 
 De Fernão Mendes Pinto;
 Nem todo o labirinto 
 Da perda d'Azamor; 
 Nem o mistério dos Paços.
 Podem suprir alguma vez 
 No meu espirito de português
 Um dos abraços dos teus braços.

 Na tua ausência 
 Isto parece 
 O anti-Atlas 
 Do Saara da Vida...  
 Só o volume das águas
 Faz meditar os ausentes...
 Tristezas de Portugal 
  Aumentam as minhas mágoas...
 Ah! se eu pudesse 
 Seria Corte Real 
 E unia os continentes!"

Fecha o livro esta poesia, tão pequenina
e tão amargamente humana e real :

 "Ás vezes sofro e penso, sem querer...
 E, nesta luta imensa de viver,
 Nada ha que desvie a minha sorte.

 Não pôde o meu destino desfazer.
 E tanto medo tenho de morrer...
 E tantas vezes peço a Deus a morte."

E a morte, que sentimos pairar sobre
quase todas as poesias. levou para sempre
José de Esaguy no dia 15 de Fevereiro


 
Ha-Lapid_ano28-n152_03-Shevat-Yiar_5714_Jan-Abr_1954.png [105 KB]
Primeira Página Página Anterior Diminuir imagem Imagem a 100% Aumentar imagem Próxima Página Última Página