HA-LAPID 8 ========================================== cia lhes tenha ensinado e que eu lhes fique reconhecido por isso, mas que a sua pre- sunção não exerça qualquer influência sô- bre a tranquilidade da minha alma!... "Possa eu ser moderado em tudo ex- cepto no conhecimento da Arte... Que para sempre a ideia de tudo saber e tudo conhecer se afaste. Dá-me as forças, o des- canço, o desejo e a ocasião de rectificar os conhecimentos adquiridos, e de ampliar-lhes o domínio, porque se a Arte é imensa, o espirito do homem pode igualmente esten- der-se indefinidamente e enriquecer-se dia a dia de novos conhecimentos." Assim se exprimia, vai para oito sécu- los, um dos mais puros luminares da medi- cina na idade média, e isto dispensa comen- târios. A grandeza d'alma, o amor da Arte e a fina observação aliam-se á cortezia, á dignidade e à modestia para nos esboçar esta formosa figura de médico, empregnada de ciência, de serenidade e de nobreza de caracter como sonhava e realisou Maimoni- das, e á qual cada um de nós teria orgulho em assemelhar-se. Doutor Maurício Uzan. o o o Elementos para a História dos Judeus Portugueses de Hamburgo por ALFONSO CASSUTO (Continuação) A comunidade portuguesa de Hamburgo empre- gou todos os esforços possiveis para impedir o exo- do de alguns dos seus membros, porque se julgava que em Altona seria mais renhida a luta entre france- ses e russos, e devido a esses esforços contraiu divi- das que a reduziram a uma situação muito precária; em 1833 viu-se forçada a vender a sua antiga esnoga onde, durante mais de 200 anos, havia exercido o seu culto e isto porque não tinha os meios pecuniárias suficientes para satisfazer os seus encargos. Mais tarde construiu-se uma pequena esnoga, que foi inaugurada em 1834, mas que apenas serviu durante 8 anos. No dia 5 de Maio de 1842 rebentou em Hambur- go um incendio, que durou vários dias e que des- truiu uma grande parte da cidade incluindo a esnoga portuguesa. Todo o arquivo da comunidade desapareceu e apenas os Sefarim foram salvos por Jehuda Cassuto, ao que lhe valeu o titulo de membro honorário dco- munidade. Quási todos os membros da Comunidade tiveram de abandonar Hamburo, por escassez de residências e estabelecer na visinha cidade de Altona. Em 1855 inaugurou-se uma esnoga, que ainda hoje reune no serviço divino os poucos judeus portugue- ses que, da antiga comunidade, ainda habitam esta ci- dade. Por razões de saúde pública foram proibidos em 1871 os enterramontos no antigo cemitério de Altona, que se encontrava no meio dessa cidade. A comunida- de portuguesa de Altona, que até então enterrava ali os seus mortos, comp.ou um terreno perto da cidade, que foi utilizado até 1888, época em que esta comuni- dade desapareceu completamente. A comunidade por- tuguesa de Hamburgo tinha alcançado, aproximada- mente em 1700 um terreno que o Senado puzera á sua disposição e que desde 1871 foi utilizado para enter- ramentos. Como este terreno tambem se encontrasse no- meio da cidade, em 1884 o Senado proibiu ali os en- terramentos e deu á comunidade portuguesa, junta- mente com a comunidade alemã, um enorme terreno, que se encontra hoje a uma hora de distância, em carro eléctrico, do centro da cidade, para que ali se realisassem os enterros judaicos. Este terreno, que foi dividido em duas partes, respectivamente para portugueses e alemães, é ainda hoje utilizado separa- damente por estas duas congregações. Até metade do século XIX os judeus portugueses de Hamburgo fizeram uso do idioma português e de então pare cá tem este desaparecido rapidamente até ao ponto de que hoje está completamente esquecido, excepto em alguns dos serviços sinagogais em que o uso da antiga lingua ainda persiste, como por exem- plo: quando algum membro da comunidade é convi- dado a desempenhar qualquer Misvàh; nas ofertas que se fazem para cumprimentar outros membros da co- munidade; quando se anuncia o novo mês; nas elei- ções dos Parnassim; quando se anunciam o começo e fim de jejum e outras comemorações religiosas e até nos próprios recibos relativos a ofertas feitas na esno- ga e ainda em várias outras oportunidades. As inscrições nas pedras sepulcrais são geralmen- te feitas no venerado idioma da antiga pátria. O livro dos protocolos ou actas das reuniões da comunidade foi redigido em português até 1823; o registo de nascimentos está redigido igualmente em português até 1840 e até 1880 tôda a correspondência entre várias comunidades era escrito neste mesmo idioma. O numero de membros da comunidade não va- riou muito nos ultimos 250 anos e antes pelo contra- rio talvez tenha aumentado, ainda que ligeiramente; a comunidade conta hoje cerca de 100 membros do se- xo masculino. Pequena percentagem se compararmos com o avultado numero dos israelitas que compo- nhem a comunidade dos judeus alemães de Hambur- go-cerca de 20.000. E, contudo, apesar de decorridas quasi cerca de quatro séculos desde que os primeiros judeus foragi- dos de Portugal aportaram a cidade de Hamburgo e apesar das variadas vicissitudes por que teem passa- do, no decorrer desse lapso de tempo, a pequena co- munidade nunca esqueceu as tradições que lhe foram legadas por aqueles antepassados que, na antiga pa- tria, atingiram altas posições sociais e, devido aos seus continuados esforços, ainda ocupa na cidade uma situação moral e intelectualmente elevada.
N.º 043, Tishri 5692 (Set-Out 1931)
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