2 HA-LAPID ======================================= Esses gritos de socorro não foram em vão. O nosso Governo não ficou surdo aos pedidos do Comité de Lisboa, que, na sua qualidade de administrador central da emigração judaica, tratou também os assun- tos relativos ao Porto. A-pesar-de estar interdita a imigração, todos os pedidos foram deferidos nessa altura, dentro dum prazo curto, podendo dar a liberdade aos parentes, dar-lhes a possibilidade duma vida nova, uma vida nova subordinada, como não podia deixar de ser, às leis do pais. Há, contudo. restrições na prática de algumas profissões: há também a dificul- dade de falar e compreender a língua por- tuguesa. Mas que é tudo isso comparado com o facto de ter segura a vida e os bens?!!! Creio que nenhum dos imigrados so- freu a fome e a nenhum faltou um teto para se abrigar, um leito para recobrar as fôrças. Não devemos pois deixar de dar graças: 1.° a Deus. 2.° ao Govêrno Por- tuguês. Aqueles que sentem como judeus e que deploram como golpe grave a destruição e perda dos seus templos, gozam a hospi- talidade déste edificio em cuja arca Santa se encontra até um Sefer Tarah (Livro da Lei) que o Dr. Klee- que propositadamente veio da Alemanha assistir à sua inaugura- ção-se dignou trazer e oferecer-nos. Eu sei: -Não encontram aqui o mesmo oficio religioso, a que estão habituados desde a infância: difere exteriormente do rito da Europa do Norte, o que aqui se pratica. Mas comparemos também os cos- tumes e os dialectos da gente do Minho e do Algarve. São diferentes: e no entanto todos somos portugueses. O dialecto e os costumes em Hamburgo e na Baviera são também diferentes e contudo todos são alemãis. Isto já vem através os séculos e nós não podemos mudar em 2.000 anos os costumes e a pronúncia da lingua. Entre o rito Sefardi e Askenazi só há diferenças exteriores. Peço portanto um pouco de boa vontade para compreender os nossos usos e costumes. Nós Sefardim, ou melhor nós Maranos esforçámo-nos por oferecer aos imigrados -aos perseguidos-um lar religioso. Fa- zémo-lo de alma e coração porque com- preendemos a sua dor, visto que também nós há 450 anos fomos perseguidos. Os nossos antepassados conservaram a sua religião a ocultas e com perigo de vida; e nós, os trinetos dêsses mártires podemos livremente confessar a sua e nossa fé. Meus caros ouvintes: -Somos todos irmãos, Israel só é uma raça espiritual como diz Edmond Fleg; por isso tendes os nos- sos braços. Oremos todos no nosso tem- plo. Todos descendemos de Abraham, Isaac e Jacob. A nossa Torah está escrita com as mesmas letras e contém as mesmas palavras que a vossa. E a nossa Santíssima divisa é como a vossa: "Shemah Israel, Adonai Elohemo, Adonai Ehad" (Escuta Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é Uno). Terminado o Darush, que foi ouvido com emoção pelos judeus, que compreen- diam a lingua portuguesa, o Sr. Paulo Platchek subiu ao outro púlpito e reprodu- ziu em lingua alemã o mesmo Darush. dando à sua leitura expressiva uma nota de elevado sentimento. Antes do encerramento da cerimónia foi feita uma solene oração pelos mortos dêsse acontecimento, no meio do silêncio respeitoso dos assistentes, que em certos momentos o ínterrompiam para dizer em voz grave e solene o Amen. Foi uma noite que marcou bem fundo na memória de todos, que tiveram a ven- tura de a ela assistir. * ESTATÍSTICA MACABRA Antes de Hitler, havia na Alemanha 650.000 judeus. Não há lá mais de 300.000. Que foi feito dos outros? 200.000 imigraram. 30.000 estão presos. 90.000 morreram. 20.000 findaram com a vida. 80.000 foram assassinados. Na Austria, de 300.000 judeus, não há mais que 140.000. 130.000 sairam do país. 10.000 estão encarcerados. 10.000 foram suicidados. 5.000 foram mortos. Esta macabra estatistica é fornecida pelo jornal inglês News Chrorude.
N.º 095, Tishri-Heshvan 5700 (Set-Out 1939)
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