HA-LAPID 5 ===================================== E um fogo sagrado inflama o gato. E1e saltou sôbre a mesa onde estava a gaiola com o pássaro, e Penas voaram pela sala. * Encheram-no de pancadas. Mas o gato aceitou-as com humildade. E depois de ter gemido piedosamente, ele se pôs a miar uma lamentosa mea culpa O gato não cometera mais esta falta.. O gato razoável compreendeu porque foi batido. Doravante ele não merecera mais pancadas. -Bateram-me, raciocinou ele, porque espalhei penas pela sala, porque ficaram nódoas de sangue na toalha branca e fina- mente bordada... Quando se executa uma semelhante sentença, é preciso faze-lo com bondade, com duçura e piedade; e preciso nao deixar voar penas, não deixar cair gotas de sangue... Tambem quando trouxeram um segundo pássaro cantor para çasa, ele matou-o desta vez docemente, delicadamente e engoliu corpo e penas. * Chicotearam o gato. Esta vez ele compreendeu finalmente que se não tratava de penas, nem de nódoas de sangue deixadas sôbre a toalha. O segredo procurado era: não era per- mitido matar! E preciso pelo contrár1o amar, perdoar. Não e o castigo pelos suplícios que se tornará melhor o mundo corrompido pelo pecado! E preciso reconduzir ao bem, pregar a moral, falar ao coração! Um canário penitente pode alcançar um tão alto lugar no céu que o gato piedoso ficará muito abaixo dele! E o gato sentiu o seu coração encher-se de alegria. Findo o velho tempo duro e mau. Terminadas as efusões de sangue! Piedade, piedade e sempre piedade! * E foi cheio de piedade que ele se apro- ximou do terceiro canário. -Não te assustes, disse com a mais doce Voz que jamais saiu de garganta de gato. Tu estás carregado de pecados mas eu não te farei mal, porque tenho piedade de ti! Eu não abrirei a gaiola, nem sequer te tocarei! Tu calas-te? Muito bem! Antes que cantar atrevidamente, vale mais calar-se. Tu tremes? Tanto melhor! Treme, meu filho, mas não por minha causa. Queira Deus que tu fiques assim, sem- pre meigo, puro e timido!... Eu te ajudarei a tremer. Da minha alma piedosa eu soprarei sôbre ti calma, meiguice e piedade... Que com o meu halito penetre no teu corpo a fé, o temor divino nos teus ossinhos, o remorso e o arre endimento no teu coraçãozinho! Não foi senão agora que o gato vê como é doce perdoar, que alegria é fazer penetrar em outrem o sôpro de piedade e virtude... E o coração piedoso do mais piedoso dos gatos brancos incha de contentamento. Mas o canário não pode respirar nesta atmosfera do gato. . . . . . . . . . . . . . , . . . . . . . .. Isto o abafou! --------------------------------------- Os vícios e o castigo (FÁBULA) Os vicios resolveram um dia percorrer a terra. A ruina e a desolação caminhavam sôbre as suas pegadas. Por todos os lugares por onde eles atravessavam, a erva secava; as árvores das florestas despojavam-se da sua verde folhagem; os campos tornavam-se incultos; as estradas enchiam-se de serpentes e nós ares volitavam os sombrios morcegos. Éles correram muito tempo sem olha- rem para trás. Contudo, um dia eles vol- taram-se e viram que alguém os seguia a passo lento e tranquilo. Quem es tu?-lhe preguntaram eles. -Eu sou o Castigo-lhes respondeu aquele que caminhava atrás deles. -Deixa de vir atrás de nós. nos poderás alcançar. Mas o Castigo respondeu-lhes: -Eu chegarei talvez um pouco tarde, mas sempre chegarei. ISAAC LEVI, Grand Rabbin.
N.º 119, Tishri-Heshvan 5704 (Set-Out 1943)
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