HA-LAPID 5 ====================================== A oitava secção do inferno CONTO JUDAICO POR I. L. PERETZ Fatigado, quebrado, estendi-me sobre o meu divã; procuro lembrar-me do que se passou... Assisti a uma reunião... Falei ali. As minhas palavras eram fogo e cha- mas... Rápidas, as flechas voavam da mi- nha boca e, com uma espada nua e afiada, eu parecia ameaçar a multidão. Eu falo e escuto o que digo: escuto e estou encantado. Pois não sou eu um herói? Não sou eu que parto para a guerra por tudo o que e belo e bom? Eu só o defensor da liber- dade e todas as boas, doces e divinas coisas que certamente estão longe de nós ainda, mas das quais nos aproximamos cada vez mais... Arranco a mascara à mentira e prego-a no pelourinho: eu rasgo o belo véu com que ela enfeita e eis-la nua, cheia de chagas e de vergonha... De repente calo-me. A formidável po- tência enfraqueceu em mim, o fogo extin- guiu-se e a minha língua tornou-se como de chumbo. Que tenho eu? Falando eu, levantei os olhos e vi-me num espelho. Os meus olhos tinham um mau clarão; um fogo bri- lhava debaixo das minhas pestanas, um fogo impuro. Não eram já os meus olhos! Uma vez eu vi uns semelhantes... Mas Onde?... Ah! Sim. recordo-me... Era no quar- tel: chibatavam um soldado. Os seus cama- radas, que o castigavam, tinham olhos assim. E êstes pareciam dizer: - "hoje somos nós que te chibatamos, amanhã serás tu que terás a chibata. Pois bem, apanha uma para amanhã! Sim, eu o vi bem no espelho, eu não me assemelharei a um herói do futuro, mas antes a um simples criminoso que se encar- niça sôbre a sua vítima. Então eu calo-me.-E os meus audi- tores? Êles respiram livremente. Era como se uma pesada pedra acabasse de cair dos seus peitos oprimidos! Eles sentiram-se satis- feitos, como os animais nos campos depois da tempestade; como também as crianças na obscuridade, quando lhes trazem luz; como o coxo encostado a um muro sem poder mexer-se, ao qual de repente lhe dão um bengala e uma muleta! Pois, são os mal estares sentimentais e os olhares ternos que recomeçam. Um rapaz aproxima-se galantemente duma rapa- riga, e tomando-lhe o braço:--Você dá licença agora?" diz êle. Ele faz um sinal com a linda cabeça e com um doce sorriso, ela diz: -"Sím, agora..." Eu fugi da sala! Fatigado, quebrado, estendi-me sôbre o divã. A lua corre no céu; de tempos a tempos ela olha para mim furtivamente através da janela. Alguns dizem que o luar é um remédio contra os pensamentos que nos roem o espirito, contra as angústias que nos que- brantam o coração. Mas eu, ri-me dela, da sua claridade, de todas as angústias do coração, e até de todas as reüniões do mundo inteiro. Mas como eu não estava agora numa reünião e que eu não podia esconder à face da lua, eu tomei o partido de olhos para o teto. Mas, que é isto? Dois olhos saíem da parede e olham-me fixamente. A lua feiticeira! É êle que graceja assim comigo. Contudo a quem pertencem êstes olhos? São os olhos dos soldados que chibatavam os seus camaradas e os dessas raparigas, que. quando eu passava na sala se juntavam à minha volta. -"Repousa tu um pouco, tu o herói! não queres tu uma gota de mel, algum doce? Vem, repousa um momento!" Os seus olhos não me olham com ira. Contudo êles nada têm de benevolentes, nada. Êles estão enquadrados num rosto
N.º 121, Shevat-Adar 5704 (Jan-Fev 1944)
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