HA-LAPID 7 ======================================== Escuta~me pois: Pega-se num homem apressado, por exemplo, como tu e põem-no completa- ente nu junto duma montanha de neve. Ele fica assim um momento, mas daí a pouco um pensamento lhe surge: -Se eu fizesse derreter a neve, para fazer água? E uma vez que êle tem esta idéia na cabeça. ela se torna imediatamente desejo, paixão, o homem quer já transformar a neve em água, e quando êle o quer, não há regras que o impeçam? E se êle o deve fazer, o fará. Vá, não é êle um herói glorioso? Então êle põe-se a aquecer a neve com o seu corpo. Êle abraça-a, êle se encosta a e1a e dá-lhe tôda a sua respiração; êle mer- gulha nela corpo e alma dizendo consigo: -Tálvez eu a farei derreter apesar de tudo, talvez mesmo uma centena de anos... Todo o calor do seu corpo, tôda a sua alma, tôda a sua vida êle a da à neve, à montanha de neve. -Há, sem dúvida, diabos e diabas que de varas na mão, o forçam a fazer isso? -De modo nenhum! Eu te disse já: nada de chibatas na oitava secção! A von- tade do homem, o seu instinto, eis o melhor chicote! E ei-lo que se põe a amar a neve como a sua própria vida... A neve é a sua alegria, é todo o fim, a sua esperança. Êle bem sabe que a neve, tal como é, é des- graçada, como ela seria feliz no dia em que fosse derretida, que ela se tornasse água... porque a água é a felicidade, a agua é a alegria; tudo o que corre, o que funde... Sim. sim! -E depois? -Tu vais ver. -Pegam noutro homem e põem-no num campo barrento e lamacento. Lá em cima e sobre a sua cabeça está um céu maravilhoso. A vista não enxerga a menor nuvem. Também é êle muito unido, vazio. Nada de sol, nada de lua, nem uma estréia, nem a via láctea sequer. Mas. para dizer a verdade, não é um céu, isto é uma espécie de pano estendido através o céu. Os seus pés enterraram-se no barro e na lama. E neste sinistro deserto êle é o único homem, o único ser vivo, o único que sente, reflete e pensa! De repente a solidão começa a pesar-lhe; êle aflige-se de estar só, e vem-lhe o desejo de criar vida, de dar um sopro, uma alma ao que se encontra à sua volta. Lá em baixo, enquanto vivia, êle sofria por milhares de homens, sua acção gigante abraçava multidões, a sua alma era alma de milhões! Éle sente, como o Senhor, êle quer conduzir para o bem a Criação. E o que o Criador fêz, êle o faz também. Êle apanha pó, do barro e da lama, êle as amassa por minuto tempo e faz dêles ... o que quer êle fazer? São aves que êle forma, aves com asas! O homem sem asas é, a seus olhos, nulo... Pois êle faz uma águia! É assim que êle criava aves, pri- meiro pequenas, mas com asas. Antes de tudo, é o corpo que êle molda, depois êle lhes insufla a sua própria alma. E êle se anima, as aves! Cheio de alegria, êle lhes grita: "voai, voai, minhas aves, voai no espaço!" Ai! as aves não voam. Elas rastejam na terra, na lama, buscando vermes para se alimentarem... Mas êles não encontram e e morrem de fome. E se encontram algumas aves que se elevam nos ares, e voam um pouco são um macho e uma fêmea; êles brincam, e riem . . . Êle, lhes grita: "Para o céu! Para o céu!" Eles continuam a rir... Raivando de cólera, êle apanha barro que lhe atira e os abate; depois faz outras aves. O campo cobre-se de cadáveres. As aves mortas amontoam-se... A' volta dêle e a perder de vista cadáveres, nada mais que cadáveres... -O desgraçado! -Prende um homem culpado de peca- dos e lançam-no numa fossa com cães. -E êles comem-no vivo? -A Deus não agrada! Eles estão esfo- meados, os cães, mas êles não o comem. Então êle pôs-se a falar a estes animais esfomeados. Porque é um profeta de cães! Primeiramente êle lhes fala na lingua dêles; depois quando éles começam a compreendê-lo, êle então mete no seu dis- curso algumas palavras humanas. E êle fica assim horas a pregar-lhes, sem os perder de vista. A mudança opera-se duma maneira inces- sante: as espécies se transformam. Eis que de cães êle faz homens! Um dos cães já se ergue sôbre duas patas; dois outros aca- riciam-se com os peitos. Um outro ladra
N.º 121, Shevat-Adar 5704 (Jan-Fev 1944)
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