6 HA-LAPID ======================================== muito pálido. Eis a barba e os cabelos. brancos como a neve, um barrête judaico do século passado, enfim eis uma cabeça de homem completa, a cabeça dum judeu. dum verdadeiro, dum venerável judeu. -Quem sois vós, Senhor Judeu? Mas êle não ouve. -Quem sois vós, venerável velho? A sombra anima-se e responde: -Eu sou Shebet Mussar! Esta palavra me agrada muito. Eu sei muito bem que é a lua que brinca, mas eu finjo acreditar nela e cumprimento: -Shalom Alekhem (A Paz seja con- vosco). Shebet Mussar! -Alekhem Shalom (convosco seja a Paz), me responde. segundo o uso, o velho; e êle aproxima-se de mim Shebet Mussar é baixinho, mas nada corcunda. O seu aspecto, as suas maneiras são das mais simples; os seus olhos não brilham, contudo êle olha direito e firme como se êle não tivesse dúvidas sobre a realidade daquilo que vê. A sua voz é também apagada e sem o menor tremor, Lentamente as palavras saindo da sua boca. mas com tal segurança, uma tão precisão! Eu sei bem que Shebet Mussar deixou éste mundo há muito tempo. Contudo podia supor-se que o falecido Shebet Mus- sar voltou para se revelar a mim; e um arrepio percorre todo o meu corpo. Mas tomo coragem e pregunto: -Sois vós que tendes descrito o inferno? -Sim, respondeu ele com simplici- dade, como se éle dissesse: eu comi ou eu dormi. -E vós descreveste-o bem? Vós nada acrescentastes, nada tirastes? Agora que tendes visto o inferno com os vossos pró- prios olhos, vós deveis sabê-lo. -Eu vi-o também todo quando vivia. -Enquanto vivia? -Sim, eu vi-o várias vezes em sonho... -E o inferno? E é éle bem como o tendes descrito, ponto por ponto? -Não, amigo. diz êle com um sorriso; éle é agora aumentado duma oitava secção! -Porquê? Por quem? -É o que te vou dizer. A oitava secção, diz Shebet Mussar, é feita para ti e para os teus semelhantes; para todos os novos, para todos os pecado- res modernos. -Em que somos assim novos? -Escuta: Outrora havia uma guerra incessante entre a alma e o corpo. A alma, parcela vinda das alturas celestes. particula da própria divindade, puxava sempre para o alto e mais alto, para o céu, enquanto o corpo, êste corpo manchado, esta poeira mal cheirosa, puxava sempre para baixo, queria sempre enterrar-se mais baixo na imundície e lama... Acontecia que a alma era vitoriosa, era tanto melhor: se era ao contrário, o corpo que triunfava? Castiga- vam-no, porque êle tinha pecado! E que castigo infligiam ao corpo? O pés fervente, ardente, o fogo, a água, as serpentes, as hidras e tôda a espécie de trabalhos forçados no deserto, na floresta, nas ruínas, nas cavernas e outros lugares semelhantes... foi por isto que foram cria- das as sete secções do inferno; e cada peca- dor era lançado na secção que lhe era des- tinada. Hoje os tempos mudaram. As almas fomentam uma insurreição... as almas revoltam-se! Elas declaram guerra aos anjos do céu, às virtudes salutares. a tudo o que foi estabelecido; elas querem tudo mudar, tudo virado de cabeça para baixo! Já não são os corpos que transgridem a lei de Deus, mas as almas: É o fim que vós quereis trazer, vós quereis ver o mo- mento supremo.- Vós não quereis esperar; os olhos vos saltam das órbitas, tão grande é a vossa impaciência, como se o mundo inteiro fosse vosso; como se todos os homens fôssem vossos escravos, forçados a vos obedecer. Para almas assim criminosas, as sete secções do inferno não tem aplicação! -Então, nenhum pés fervente na oitava secção? -Não. -Nem fogo, nem água? -Talvez não açoutem também? -Nenhum vestígio de chicote. -E podem ali comer, beber e dormir? -Até ler e escrever livros. -Como se punem então? -Paciência, tu vais compreender. Vês tu lá baixo, no Ocidente aparecer uma nuvem espessa? Ela avança para a lua, e quando a tiver velado, eu devo voltar para a minha morada... Mas esta nuvem des- liza muito lentamente, e não perdendo tempo, eu chegarei talvez a te ensinar uma infíma parte do que sei.
N.º 121, Shevat-Adar 5704 (Jan-Fev 1944)
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