6 HA-LAPID =========================================== OS CABALISTAS CONTO JUDAICO por I. L PERETZ Quando os tem- pos são duros, tudo vai mal, mesmo a Thorah, que é a melhor Séhorah. (Provérbio judeu: A ciência dos livros sagrados, que é a melhor mercado- ria). De todo o seminário judeu de Lashtchive não restava mais que o Reitor, Rabi Vekel, com um só e único discípulo. O Reitor era um velho judeu, magro com uma longa barba inculta, de olhos fatigados e apagados, Lémekh, seu disci- pulo amado, era um jovem, magro também, alto, pálido, com guedelhas negras encara- coladas nas suas fontes, olhos negros, ardentes, com olheiras azuladas, lábios ardentes, um pescoço descarnado; os dois homens, não tendo camisa, iam com o peito à mostra; ambos estavam esfarrapados. O Reitor arrastava ainda, com grande custo, velhas botas de camponês; o disci- pulo tinha os pés descalços em tamancos, que perdia constantemente. E era tudo o que restava do famoso seminário judeu! A pequena cidade. empobrecia-se, enviava cada vez menos géneros alimentícios, ela tinha oferecido aos estudantes eclesiásticos alguns dias de hospitalidade cada vez mais raras: (os fiéis combinavam entre si para que cada Talmid (estudante) fosse convi- dado cada dia numa casa judaica) então os pobres Talmidim se tinham dispersado. Mas Rabi Vekel queria ser enterrado em Lashtchive e o voto mais querido do disci- pulo era de fechar os olhos do seu mestre. A êles também, chegou-lhes agora o conhecer os sofrimentos da fome. Uma alimentação insuficiente dá um sono insufi- ciente, e a vigília que se prolonga durante noites inteiras, e a falta de alimento, dando o desejo de praticar a Cabalah. E de facto, se é preciso velar durante noites, ficar de estômago vazio durante dias, é bem pelo menos tirar proveito disso. Transformemos as nossas misérias em jejuns e mortifica- ções, e quando em troca se abrem de par em par as portas dêste mundo que contém os mistérios, os espiritos e os anjos! Também há muito tempo já que o Rabi e seu discípulo estudam a Cabalah. Hoje êles estão assentados, sozi- nhos, diante duma grande mesa. Se para cada um é o o depois de jantar, para êles é o antes do pequeno almôço. De resto já estão habituados a isso. O Reitor abre desmedidamente os seus olhos brancos de êxtase e fala. E o dis- cipulo escuta com a cabeça entre as mãos. -Há, diz o Reitor, vários graus: um conhece uma parte, um outro uma metade. outro ainda uma melodia. O nosso fale- cido Rabi conhecia uma melodia completa, e mesmo com acompanhamento. Mas eu, acrescentou êle com tristeza. mas eu mereço apenas a graça dum pequenino trecho, não maior que isto... Êle mostrou a extremidade dum dos seus dedos descarnados, e continuou: -Há melodias que exigem palavras... É um grau bastante baixo... Existe um grau superior: Uma melodia que canta sozinha, sem palavras, uma melodia pura! Mas a melodia pede ainda uma voz... e lábios, através dos quais passe a voz. E os lábios, compreendem tudo, é matéria! E a própria voz, bem que materia muito deli- cada, é ainda matéria! Finalmente concordemos que a voz se encontra sôbre o limite entre o material e o espiritual! "Pois, seja como fôr, a melodia que, se faz ouvir por intermédio da voz, que por sua vez depende dos lábios, não e ainda pura, ainda não completamente pura.... ainda não alguma coisa de verdadeiramente espiritual. "Mas a verdadeira melodia se canta sem voz alguma... ela canta interiormente no coração, no fundo das entranhas! "Eis o sentido destas palavras do rei David:-Todos os meus ossos o testemu- nharão." É na medula dos ossos que isso deve cantar; é ali que deve estar a melodia, o supremo louvor ao Senhor. Não é já a canção dum ser frágil, a música imaginada por um cérebro humano: é uma parte do canto pelo qual Deus criou o mundo, uma parte da alma que êle lançou neste mundo. "Assim cantam os anjos do céu! E era
N.º 122, Nissan-Yiar 5704 (Mar-Abr 1944)
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