2 HA-LAPID ===================================== II Ceia de Shabbath A noite caira rapidamente. Na casa vizinha ouviam-se já os can- tos do Shabbath. Tomamos o nosso lugar à mesa reservando o extremo ao velho Yehudah e entoamos na velha lingua santa o belo hino do lar, que a mulher diviniza. "O preço da mulher excede tudo o que vem dos últimos confins da Terra." "O coração do seu marido põe nela a confiança e ela torna-lhe belos todos os dias da vida." "Ela abre a sua mão ao necessitado. estende os seus braços para o pobre." "Abre a sua boca à sabedoria e a lei da clemência está na sua lingua." Levantaram-se seus filhos e aclama- ram-na ditosa; levantou-se seu marido e louvou-a. Agora. o velho Yehudah. segurando um copo cheio de vinho, profere a Berakah (bênção), após a qual leva-o aos lábios, bebe um pequeno gole e por todos distri- bui o restante. Toma então o pão, e depois do Hamossy a cada um entrega um pequeno bocado. Sentamo-nos todos. Começa a ceia e com ela a conversação que depressa se anima. Cruzam-se os ditos, contos e ingénuas narrações, em que o português e o caste- lhano se matizam com o árabe e o hebreu. Nenhum eco das paixões que tumultuam lá fora na grande cidade consegue perturbar a alegria e felicidade que reínam nesta deliciosa Babel. Que noite a de Shabbath! encanto, beleza e harmonia... Contou-me um velho Hazan que um dia um judeu quisera ser cristão, mas che- gado o Shabbath faltando-lhe a "adafina" voltara para os seus e jamais os quisera abandonar. Quanta verdade não encerra êste conto que na aparência tanta falta de senso revela! Não foi o prato característico do sétimo dia, não foi a "adafína" por si a causa do regresso do convertido, mas a encantadora noite de Shabbath que ela simboliza. Em nenhum povo o amor da familia tanto se elevou como no judeu, nesse amor Nela há :xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx residia o seu segrêdo, o talismã precioso que à raça hebreia deu aquela tenacidade inquebrantável que a caracteriza. Nações, impérios, raças e tribos brutal- mente torturaram e humilharam os filhos de Israel para os esmagar e da terra apagar o seu nome; êsses povos passaram, desapa- receram e o judeu pequeno e fraco vive ainda. E vive, porque, quando, após porfiada e tenaz luta, regressava ao lar já exausto e prestes a sucumbir, no seio dos seus encon- trava bálsamo para as suas feridas, conso- lação para as suas amarguras e lágrimas para as suas desgraças. III Shaherith A manhã de Shabbath estava encanta- dora. Entrando pelas janelas ogivais, vinha do jardim uma leve aragem pertumada que, acariciando-nos brandamente, nos enlan- guescia. Na Thebah (tribuna) o jovem Haim com a sua voz fresca e sã fazia ecoar por tôda a Sinagoga os Tehelim (psalmos) do rei profeta. Velhos judeus de fisionomia austera en- tram no recinto, dirigem-se para os seus lugares a passos lentos, envolvem-se no manto nacional (Taleth) e sentam-se. Nas galerias vêem-se as formosas filhas de Sion que traíam luxuosas e elegantes vestes. Entram os Rabinos, sobem para Thebah e envolvem-se nos seus mantos de séda azuis e brancos. O Hazan (oficiante) profere uma pequena prece, e todo o Kahal entoa o canto de alegria com que os filhos de Israel após a passagem do Mar Vermelho louvaram o seu Deus, por se verem libertos para sempre da escravidão egípcia. Assim que se extingue o último eco dêste canto (Az Yashir Moshe) o rabino ímplora do Deus de Yakob. "- Deus do Universo, estende sobre nós a tua misericórdia." "Tu, que nos escolheste entre os povos. despedaça o jugo que sôbre nós pesa, reu- ne-nos aos nossos irmãos dispersos pelos
N.º 124, Tishri-Heshvan 5705 (Set-Out 1944)
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