HA-LAPID 3 ====================================== Produziram-se então cenas lancinantes em tôdas as povoações habitadas por ju- deus. Os pais abraçaram desesperada- mente os seus filhos, que, por seu lado, se agarravam a êles com tódas as suas forças; separavam-nos à pancada. Muitos para não deixarem arrebatar os seus filhos, estrangulavam-nos nos últimos abraços ou precipitavam-nos nos poços ou rios, e matavam-se em seguida. "Vi com os meus próprios olhos, conta o bispo Coutinho, criancas arrastadas pelos cabelos até às pias baptismais, e os pais acompanharem-nos, com a cabeça coberta de luto, soltando gritos lancinantes e pro- testando até ao pé dos altares contra éste baptismo forçado. Vi ainda muitas outras crueldades". Os contemporâneos conser- varam sobretudo a recordação dolorosa do horrivel género de morte escolhido, para êle e seus filhos por um judeu culto e muito considerado. Isac Ben-Cahin, para escaparem aos seus convertidores. Muitos cristãos compadeceram-se dêstes infelizes e sem pensar no perigo a que se expunham, ocultaram crianças judaicas nas suas casas para as salvarem. D. Manuel e sua espôsa foram surdos a todas as súplicas e gemidos. Após o bap- tismo, os filhos dos judeus recebiam um nome cristão e eram em seguida espalhados por diversas terras, onde eram educados na fé cristã. Por ordem secreta ou por ex- cesso de zêlo: os agentes reais apodera- vam-se de jovens israelitas até aos vinte anos para os levarem ao baptismo. Nestas circunstâncias alguns israelitas aceitaram a conversão para se não afasta- rem dos seus filhos. Mas o rei guiado, mais pelo interêsse do que pela fé; não se contentou com estas conversões, êle queria que, convicta ou não, tôda a população judaica de Portugal se fizesse cristã e ficasse no Pais. Para entravar a sua emi- gração, revogou a autorização que lhes tinha dado de embarcarem em 3 portos e só lhes permitiu o de Lisboa. Todos os emi- grantes se deviam pois reünir em Lisboa. Reuniram-se em Lisboa 20.000 para emigrar e sob vários pretextos não lhes permitiu o embarque e assim fêz expirar o prazo da saída. Tornando-se assim senhor da sua sorte fé-los alojar como rebanhos no paço dos Estaus. Fez-lhes saber que lhes deixava escolher entre a conversão voluntária com a pres- pectiva de receberem honras e riquezas, ou serem baptizados à fôrça. Como quási todos queriam ficar judeus, privou-os de alimentação durante 3 dias. Como nada conseguisse com a fome e sede, mandou-os arrastar até às igrejas puxando-os com cordas e também pelas barbas ou cabelos. Muitos preferiram a morte ao baptismo; houve alguns que se mataram na própria igreja. Um pai cobriu os seus filhos com o Taleth, degolou-os e em seguida matou-se. A conversão ao cristianismo assim im- posta pela violência aos judeus não foi para êles mais que uma máscara que os obrigaram a usar. Entre os milhares de judeus portugue- ses que se tinham resignado ao sacrifício da sua fé, a maior parte não esperava senão uma ocasião favorável para emigrar para um país onde pudessem livremente regres- sar ao judaismo. Como disse Samuel Usque, as águas do baptismo não tinham modificado nem as suas crenças, nem os seus sentimentos. Houve alguns judeus heróicos, como Rabi Simão Maimi, Dayan (juiz Ouvidor) de Lisboa, sua mulher, seus genros, e outros mais, que se obstinaram a ficar abertamente fiéis à sua religião, apesar das horríveis torturas a que foram submetidos. Metidos num calabouço, foram empareda- dos até ao pescôço e ficaram nesta posição durante três dias. Como persistissem nas suas crenças, fizeram cair a alvenaria que os envolvia: três dos supliciados, e entre êles o Rabi Maimi, tinham sucum- bido. Apesar de ser severamente proibido enterrar as vitimas destas torturas, que só os carrascos tinham direito a fazê-lo, dois maranos arriscaram a sua vida para sepul- tar o piedoso Rabi no cemitério judeu, onde um certo número de maranos vieram ocultamente celebrar em sua honra uma cerimónia fúnebre. Os companheiros de prisão do Rabi Simão Maimi e os seus genros ficaram ainda muito tempo encarcerados. Tirados da prisão, foram enviados para Arzila (Marrocos) sendo ali obrigados a trabalhar nos dias de sábado em obras de fortifica- ção, e, finalmente sofreram o martírio. D. Isabel, rainha de Portugal, que tinha sido a instigadora de todas as medidas iníquas tomadas contra os judeus, morreu
N.º 130, Kislev-Tevet 5706 (Nov-Dez 1945)
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