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N.º 131, Shevat-Adar 5706 (Jan-Fev 1946)







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 2             HA-LAPID
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Os estudos recentes de Joaquim Ben-
saúde, Moisés Amzalak, Barros Basto, abri-
ram-me finalmente novo horizonte, apon-
taram-me os forais, as ordenações e outros
historiadores como Graetz, Herculano, Fon-
toura da Costa. Joaquim de Carvalho e o
padre António Vieira, entre tantos outros,
incluindo Mendes dos Remédios e Lúcio
de Azevedo, estes nem sempre amáveis e
justos.

Lendo-os, a ferida que sangrava, sarou.

Hoje sei o que é ser judeu em Portugal.
Hoje sei que sem falsa modéstia nem alarde
pretencioso, me posso orgulhar dessa quali-
dade de judeu em Portugal. Hoje sei que
houve judeus dignos em todos os transes
da nossa história. O sangue judeu correu
sempre que foi necessário sacrificar a vida
ao interésse da pátria, a alma judaica sofreu,
vibrou, venceu como a alma de qualquer
outro português.

É essa epopeia, tantas vezes e tão injus-
tamente esquecida, que me proponho re-
cordar.

Falando numa reunião culta que se
realiza numa associação israelita, poucas
novidades vos posso trazer.

Grandes lacunas terá o meu estudo.
Entendo. todavia, que é nosso dever, dis-
cutir e arrancar do esquecimento imerecido
os grandes feitos dos judeus em Portugal,
é repetindo as discussões sobre este tema
que podemos fazer justiça a quem tanto
tempo ficou olvidado.

Nunca será exagerada a repetição e é
essa ideia que dá alento para abordar aqui
um tema que, por fazer vibrar o meu entu-
siasmo, não deixará de ser grato à vossa 
apreciação.

                *

Olhemos em traços largos para a histó-
ria pátria. Observemos o aparecimento da
nacionalidade, talhada e criada com suces-
sivos gestos de firme e corajosa iniciativa.

Estavam nessa época instalados há
muito, judeus em toda a Peninsula Ibérica.
Sob o dominio muçulmano viveram com
tanto sossego como os mosarabes, cristãos.
Devemos procurá-los entre os vencidos?
Eu encontro-os lutando ao lado dos guer-
reiros lusitanos.

Acabara o periodo áureo de estudo,
progresso e paz nos reinos árabes. A ambi-
ção dos emires, as dissenções, a guerra



civil tinham fraccionado o grande e pro-
gressivo império muçulmano da península.
Berberes ou Almoadas (unitários) sangui-
nários, fanáticos e intolerantes dominavam
e impunham o seu poder, destruindo os
requintes da civilização dos reinos almo-
rávidas. Abd-al-Mumem, segundo chefe
desses berberes almoadas (unitários),
ordena a perseguição aos judeus, obriga-os
a abjurar a sua fé ou a emigrar. As sina-
gogas são assaltadas e saqueadas ou des-
truídas. Grandes academias judaicas como
as de Lucena e Sevilha são encerradas.
Há progromes em larga escala.

O judeu que não abjura a sua fé tem de
emigrar; é o reino cristão de D. Afonso VI
que o acolhe. É Afonso VI de Castela
que os protege, e a luta de libertação que
Afonso VI lança e que é continuada pelos
seus sucessores, entre os quais conto
D. Afonso Henriques e outros reis da nossa
1.a dinastia, não é guerra de propagação da
fé, é guerra de conquista e de engrandeci-
mento do reino, é guerra em que podiam
viver irmanados judeus e cristãos na defesa
de interêsses comuns.

Para provar que assim é, bastaria lem-
brar a aliança de cristãos com emires
muçulmanos; as aventuras do célebre Cid
combatendo ora cristãos à frente de sarra-
cenos, ora estes à frente daqueles; a batalha
de Zalaka em que 30.000 sarracenos com-
batiam da parte do reino de Lião e de Cas-
tela, ao passo que numerosos esquadrões
de cavalaria cristã estavam integrados no
exército de almorávide Jussuf: a pretensão
de Afonso VI de que o Infante D. Sancho
fosse seu sucessor, embora filho de Zaida,
muçulmana de Sevilha; a aliança de
D. Afonso Henriques com Ibn-Kassi; os
conflitos dos nossos primeiros reis com o
Papa, então no auge do seu poder tem-
poral.

É Alexandre Herculano, o maior dos
historiadores portugueses, que escreve:

"Ordinàriamente ao lermos nos nossos
historiadores e cronistas a narrativa da
reacção cristã contra a conquista muçul-
mana no território chamado Portugal,...
O complexo dos variados acontecimentos
que constituem esse grande facto, repre-
senta-se-nos na imaginação com a luta de
dois povos, cada um dos quais compacto
e homogêneo em si, busca, não a posse
que dá o triunfo, mas uma existência exclu-


 
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